Valor Econômico, v. 20, n. 4850, 03/10/2019. Política, p. A10
Ônus da prova de prejuízo pode ser invertido
André Guilherme Vieira
Ao decidir analisar tese encampada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, o Plenário da Corte permitiu brecha jurídica: transferiu ao réu delatado a obrigação de demonstrar nos autos eventual prejuízo por não ter sido o último a falar no processo.
Toffoli propõe estipular critérios e delimitar o alcance de decisão tomada na semana passada que põe em xeque condenações da Operação Lava-Jato.
O risco reside em manter condenações, com base em alegações do delator, sem que a defesa do delatado tenha tido a oportunidade de contradizê-las.
O receio de advogados de réus da Lava-Jato e de outras investigações que contaram com delatores é que se torne impossível o exercício do direito à ampla defesa e ao contraditório.
Conforme a ‘modulação’ proposta por Toffoli, a condenação poderá ser anulada nos casos em que o réu delatado solicitou à Justiça para ser o último a falar no processo penal, mas teve o pedido negado em primeira instância e, em tese, demonstrou o prejuízo causado à defesa. A proposta do presidente do STF será votada hoje pelo Plenário do tribunal em uma nova sessão.
No habeas corpus analisado ontem pelos ministros, o pedido da defesa do ex-gerente da Petrobras Márcio Ferreira foi acolhido por maioria de votos - a sentença condenatória imposta a ele pelo então juiz da 13 ª Vara Federal Criminal de Curitiba, Sergio Moro, foi tornada nula.
Na prática, a maioria dos ministros entendeu que houve nulidade no processo do ex-funcionário da Petrobras. O Supremo decidirá hoje se esse entendimento será estendido a outras ações penais da Lava-Jato ou não.
A decisão do STF de levar a proposta de Toffoli à votação remete ao experimento mental imaginado pelo físico austríaco Erwin Schrödinger para explicar um princípio da mecânica quântica.
Conhecido como “Gato de Schrödinger”, ele postula que, se você não conhece o estado de uma partícula, deve assumir que ela está simultaneamente em todos os estados possíveis. Ou seja, o gato está vivo e morto ao mesmo tempo.
Ontem, o ministro Ricardo Lewandowski ironizou o caráter paradoxal da tese de Toffoli.
“Ainda que se chame um gato de cachorro, ele não deixará de miar”.