Valor Econômico, v. 20, n. 4850, 03/10/2019. Política, p. A12

Recado do Senado reflete escolhas feitas por Bolsonaro

Malu Delgado


Se o Congresso sente que o Executivo está vulnerável, apressa-se em agir. O que se viu na votação da reforma da Previdência na madrugada de quarta-feira no Senado não é o prenúncio de nenhuma crise política, mas apenas a consolidação de um quadro instalado desde o início do governo Bolsonaro. Ao descartar a montagem de uma coalizão, e diante da ausência de interlocutores políticos com a devida compreensão sobre as entranhas do Congresso, o governo assume o risco de ser frequentemente refém dos humores de ocasião.

Os senadores derrubaram a regra do abono salarial estabelecida na reforma da Previdência e optaram por continuar pagando o benefício a quem recebe dois salários mínimos, e não mais o teto de R$ 1.364,43 estabelecido pela equipe econômica. Simples assim. Há obviamente um impacto fiscal a cada gesto de rebeldia e demonstração de autonomia parlamentar, mas o governo federal, por sua vez, não demonstrou o menor empenho em tentar assegurar a maior economia possível no texto da reforma.

Com a regra do abono mantida, a economia da reforma, em uma década, cai para R$ 800 bilhões, e não mais os R$ 876 bilhões previstos. No balanço geral, a derrota do governo não abalou os corações do mercado e a economia prevista com a reforma está longe de ser desprezível. Mas há alertas políticos implícitos na votação do Senado.

Guedes, em traçar um cronograma de ação do Legislativo com base na lógica econômica. Nem sempre a estratégia terá êxito. Apostar todas as fichas na Previdência foi um erro da equipe econômica, mas Guedes insiste em tomar medidas a conta-gotas. O ministro deixou claro que só enviaria as demais reformas (do pacto federativo e a tributária) quando fosse resolvida a fatura da Previdência. Só que o calendário político tem nuances que Guedes desconhece.

Políticos experientes e governadores alertaram Guedes para a necessidade de encaminhar e sinalizar quais seriam os eixos de outras reformas e medidas para recuperar a economia, e que isso não atrapalharia a tramitação da Previdência. A reação do ministro logo depois do placar da derrota sobre o abono salarial, com ameaças de retaliação e cancelamento de agendas com parlamentares, é a prova da ojeriza deste governo em promover e construir diálogos políticos.

Além do perfil de Guedes, é bom refletir sobre o “efeito Maia”. A reforma da Previdência na Câmara passou como passou porque o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), segurou a fera com as próprias mãos. O estilo de Davi Alcolumbre, (DEM-AP), que comanda o Senado, é diferente, bem como sua experiência política, que está aquém da de Maia.

E há, por fim, a relação do Senado com os entes federados. A proximidade dos governadores com os senadores é distinta da dinâmica que se dá do outro lado do Congresso. O Senado representa as federações. Os senadores querem assegurar o pleito dos governadores: de que caberá a cada um a fatia devida no latifúndio da exploração do pré-sal. É por isso que passaram a condicionar a votação do segundo turno da PEC da Previdência a definições claras da equipe econômica sobre os critérios de repartição da cessão onerosa do pré-sal.

A relação Executivo-Legislativo permanecerá tensa, mas é até melhor do que se poderia projetar exatamente pela atuação ponderada dos presidentes das duas Casas e pela desarticulação da oposição. Com o pleito de 2020 à vista, é bom que o Planalto compreenda bem os efeitos de governar sem base e demonizando as instituições.