Título: Servidor é cobrado em mais de R$100 mil
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 09/11/2004, País, p. A4

A aposentada Olinda Ribeiro Galvão, 76 anos, sofreu três derrames e está perdendo a visão em decorrência da diabetes. Há um mês, o estado de saúde de Olinda piorou. Ela recebeu uma ''notificação'' do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), onde trabalhou como agente administrativa. No documento, o Incra ameaça inscrever o nome de Olinda na dívida ativa da União se ela não restituir R$ 108 mil aos cofres públicos. Olinda é uma entre as várias dezenas de servidores que terão de devolver dinheiro que ganharam na Justiça contra o instituto.

- Foi um baque e tanto. Achei um absurdo. Ninguém teria dinheiro para devolver R$ 108 mil em 30 dias - diz Conceição de Maria, a filha que cuida de dona Olinda.

A grande maioria dos servidores notificados pelo Incra ganha pouco, se considerados os padrões de vida de Brasília. Olinda recebe R$ 1,1 mil de aposentadoria e vive na cidade de Taguatinga, a 25 quilômetros do centro da capital. Os funcionários que receberam a notificação têm ''dívidas'' com o Incra entre R$ 65 mil e R$ 108 mil.

Os servidores impetraram ações judiciais em grupos a partir de 1990. Esses grupos ganharam na Justiça do Trabalho o direito ao pagamento da Gratificação pelo Desempenho de Atividade de Apoio, que não vinha sendo paga.

A partir de 1995, a Justiça do Trabalho julgou procedente a ação dos servidores e determinou que o Incra pagasse com juros e correção monetária os atrasados da gratificação. Só em dois processos, 15 servidores ganharam a causa. Um dos advogados que na época defenderam os servidores, Carlos Beltrão

Heller diz que sozinho impetrou ações em favor de 800 funcionários públicos de três órgãos, incluindo o Incra.

A técnica de cadastro rural Marli Maria de Oliveira, 43 anos, é outra servidora que recebeu notificação do Incra. Terá de devolver R$ 72 mil ao governo. Com um salário de R$ 1 mil, ela teme perder o apartamento conjugado que tem no Setor Sudoeste, seu único bem, onde cria o filho.

- A notificação do Incra foi um impacto muito grande. Não consigo dormir mais - diz Marli.

A técnica em cadastro rural aposentada Marilia Sattin da Costa Ribeiro, 52 anos, recebe R$ 1,6 mil mensais e diz que não tem de onde tirar R$ 98 mil para devolver ao governo. Ela afirmou que a cobrança é feita com base em decisão administrativa. Também atingida pela decisão do Incra, a presidente da ONG da Família, Maria Garcez e Silva de Moraes, afirma que a Constituição está sendo desrespeitada.

- A Constituição diz que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada - diz Maria Garcêz