Valor Econômico, v. 20, n. 4839 18/09/2019. Política, p. A6
 

Senado desfaz proposta da Câmara de afrouxar regras eleitorais para 2020
 Renan Truffi 

 

Pressionado pela opinião pública, o Senado rejeitou ontem a quase totalidade do projeto que afrouxa regras, flexibiliza a prestação de contas para partidos políticos em época de campanha eleitoral e ainda abre brecha para ampliação do fundo eleitoral. A proposta havia sido orquestrada na Câmara dos Deputados, mas esbarrou na resistência de parte dos parlamentares, que demonstraram preocupação com a repercussão negativa em suas bases e redes sociais.

O episódio foi uma clara derrota do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que, na semana passada, tentou aprovar a matéria sem qualquer tramitação em comissões ou acordo entre os líderes. A estratégia de Alcolumbre acabou não surtindo efeito. Pelo contrário, aumentou a reação e o obrigou a um recuo. Em acordo definido na reunião de líderes, ontem, uma parte significativa dos senadores pressionou por manter no texto apenas o trecho que garante recursos eleitorais para a campanha eleitoral de 2020, tese que acabou prevalecendo.

Assim, na prática, o projeto aprovado pelos senadores ficou com apenas um artigo: o que cria um fundo eleitoral permanente e estabelece que o valor destinado a ele será definido na lei orçamentária anual, no ano da eleição. Mais do isso, o relator do projeto, senador Weverton Rocha (PDT-MA), explicou que foi acertado ainda que esse montante será de  R$ 1,7 bilhão, o mesmo do ano passado.

A articulação para a derrubada de parte da proposta foi costurada depois que boa parte dos senadores se colocou contra o texto enviado pelos deputados. Isso porque os senadores precisariam aprovar as mudanças até 4 de outubro, um ano antes das eleições, mas, para isso, não poderiam fazer nenhuma mudança no texto, o que vinha irritando o Senado. Nos bastidores, a avaliação é que o Senado não poderia assumir esse ônus e funcionar, mais uma vez, como Casa "carimbadora" das mudanças pensadas na Câmara.

" Essa partitura muito mal escrita pela Câmara dos Deputados vai voltar hoje para a Câmara dos Deputados. Espero que eles aprendam a lição. Esta não é uma casa carimbadora", ironizou a presidente da CCJ, senadora Simone Tebet (MDB-MS).

Agora o texto voltará à Câmara, que pode adotar as mudanças definidas pelo Senado ou recuperar sua proposta original, com todos itens que vêm sendo criticados por especialistas e pela sociedade civil. Os próprios senadores já admitem, nos bastidores, que existe a possibilidade de os deputados retomarem todo o texto do projeto e enviar a proposta, como estava anteriormente, para sanção do presidente Jair Bolsonaro.

Ontem mesmo alguns líderes da Câmara já defenderam desfazer o entendimento do Senado. O deputado Paulinho da Força (SP), presidente do partido Solidariedade e autor do projeto, afirmou que ainda será necessário rearticular os apoios em torno da proposta, mas que a votação deve ocorrer nesta quarta-feira. “Com quem eu falei até agora, a ideia é retomar o nosso texto original. Podemos até rejeitar algumas coisas que estão sendo criticadas e para nós são besteiras, mas na essência queremos votar todo o projeto”, disse.

Líder do PL na Câmara, o deputado Wellington Roberto (PB) também afirmou que pretende rejeitar as mudanças do Senado. “Vamos esperar voltar para cá e aprovar tudo de novo. Como é que vamos desdizer o que já dissemos? O projeto é bom e não traz flexibilização”, disse.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também mostrou contrariedade com a questão, quando questionado sobre críticas feitas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux. O magistrado defendeu que o projeto deveria “ser judicializado” caso fosse, de fato, aprovado no Congresso.

“Acho que o ministro Fux errou ontem. Ele não deve interferir no processo legislativo. Da mesma forma que Câmara e Senado não devem interferir no Poder Judiciário, não cabe a um ministro do Supremo avaliar judicialização ou não de um projeto que ainda está em tramitação no Senado. Ele não sabe nem o projeto que vai sair do Congresso, se vai ser sancionado, se vai ser vetado. Está tendo muito espuma para pouco problema”, disse Maia.

Antes da derrota, Alcolumbre havia tentado uma saída alternativa. Ele e Weverton Rocha chegaram a ensaiar uma articulação para alterar os pontos mais polêmicos do projeto, com o intuito de tentar diminuir a resistência à proposta.  A principal mudança ocorreria no item que permite o uso de dinheiro público para pagamento de advogados em processos de “interesse indireto” do partido, o que, na avaliação de especialistas, poderia incluir acusações contra políticos acusados de corrupção.

A ideia do senador maranhense era que o texto fosse corrigido para permitir que advogados fossem pagos com dinheiro público apenas para defender interesses "diretos" dos partidos, ou seja, relacionados à eleição. Mas essas e outras mudanças não foram suficientes para garantir os votos favoráveis à proposta.