Correio Braziliense, n. 21714, 29/08/2022. Política, p. 4

Sem dado preciso, combate à violência é voo cego



A construção de políticas públicas para a segurança depende do recolhimento de dados exatos, fundamentais para que o agente governamental possa enfrentar o problema com eficiência e precisão. Mas a falta de compartilhamento, entre as instituições policiais, e também com outros entes que atuam no setor, levam todos a fazer voos cegos, cujos resultados são ações paliativas, periódicas e sem profundidade. A crítica é do pesquisador Roberto Uchôa, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Para piorar esse quadro, ele aponta barreiras como a desagregação dos dados, o que faz com que quem coleta tais informações dependa da “boa vontade” de delegados ou outros órgãos públicos.

“Você não consegue elaborar uma política pública baseada em evidências porque, hoje, sequer se tem evidências confiáveis. É muito complicado. Eu quero saber, aqui, em Campos dos Goytacazes (RJ), quais são os homicídios, onde estão acontecendo. Não tenho acesso a nada disso. Preciso de um favor pessoal da autoridade para obtê-los”, lamenta.

Uchoa observa que sem uma coordenação nacional das bases de dados de segurança pública é muito difícil construir estratégias eficazes. E dá como exemplo disso o caso do armeiro de uma facção criminosa que, mesmo com diversos processos na Justiça, conseguiu registrar-se como CAC (Caçador, Atirador, Colecionador) junto ao Exército apresentando apenas uma autodeclaração de antecedentes.

“Construir uma governança real nas polícias, que hoje não prestam contas a ninguém, além da articulação entre elas, precisa ser uma das prioridades a ser encarada pelo próximo governo”, cobra. Para ele, o compartilhamento de informações é fundamental para se combater tanto o crescimento das organizações criminosas — que inclui as facções e as milícias — quanto o crime interestadual conhecido como “novo cangaço” — cujas ações violentas levam o pânico a cidades do interior do país.

 

Ausência de padrão

Para Fagner de Oliveira Dias, estudioso da economia do crime e da gestão de segurança pública, a falta de dados padronizados que possibilitem um diagnóstico das deficiências do sistema de segurança prejudica a criação de políticas públicas e de aprimoramento em todo o território nacional. “Um primeiro ponto que se precisa pensar é a metodologia a ser utilizada, que possibilite fazer um bom diagnóstico. Hoje, para um governo ter sucesso na segurança a nível federal, há que se melhorar o diagnóstico, e o sistema integrado facilitaria isso”, destaca.

 Na opinião de Sergio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, qualquer política pública contra a violência precisa apontar estratégias preventivas e ter um olhar para diferenças e especificidades — como as relacionadas a gênero, raça ou orientação sexual. Para além da importância da integração de informações, ele defende, no longo prazo, a unificação das polícias — ele reconhece os poderosos lobbies no Congresso para interditar tal discussão — e a construção de uma carreira para o agente de segurança.

 Os especialistas chamam a atenção, também, para a necessidade de uma política pública mais eficiente no controle das armas que circulam no país. Roberto Uchôa defende a criação de uma agência nacional de armas, que assumiria as funções atualmente exercidas pela Polícia Federal e pelo Exército. Já Fagner Dias não poupa críticas à política de liberação do armamento promovida no governo Bolsonaro, que considera inócua. “Tem outras estratégias mais eficientes, sem grandes ônus, como é o porte de arma”, justifica. (TM e HL)

 

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