Valor Econômico, v. 20, n. 4949, 28/02/2020. Brasil, p. A4

Juro menor e receita extra ajudam Estados a cortar endividamento
Marta Watanabe


A distribuição de recursos da cessão onerosa e a redução da taxa de juros possibilitaram aos Estados melhorar os índices de endividamento. O endividamento dos Estados caiu em 20 dentre 25 Estados mais o Distrito Federal em 2019, na comparação com o ano anterior. Mas, apesar de um quadro geral melhor, o endividamento aumentou em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, Estados que enfrentam quadro de desequilíbrio fiscal. Desses três, os dois últimos já ultrapassaram o limite máximo estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

O levantamento do Valor não inclui Roraima, cujos dados de 2019 ainda não estavam disponíveis até ontem entre os relatórios divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN). O endividamento dos Estados é medido pela relação entre Dívida Consolidada Líquida (DCL) e Receita Corrente Líquida (RCL). O limite é de 200%.

Em São Paulo, por exemplo, o nível de endividamento recuou de 175,66% da receita em 2018 para 170,99% em 2019. A Bahia também teve redução: a relação caiu de 64,08% da RCL para 62,35%. Na contramão, a piora mais acentuada foi do Rio: a dívida em 2019 correspondia a 282,08% da receita, bem acima dos 262,92% do ano anterior.

George Santoro, secretário de Fazenda de Alagoas, lembra que os recursos da cessão onerosa foram transferidos a Estados e municípios no dia 31 de dezembro. Foram ao todo R$ 11,73 bilhões, dos quais R$ 6,4 bilhões aos governos estaduais. Como os valores entraram no último dia do ano, foram contabilizadas como receitas de 2019 e permaneceram em caixa no fechamento em 31 de dezembro.

Vilma da Conceição Pinto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), explica que a receita extra tem duplo efeito para o indicador da dívida. O recurso acabou engordando o caixa, que é abatido da dívida para se chegar à DCL. Ou seja, o recurso da cessão onerosa contribuiu para reduzir o numerador usado para o cálculo do endividamento. Ao mesmo tempo, o valor também é adicionado à RCL, que é o denominador.

Mas outros fatores também favoreceram os Estados no ano passado, diz Santoro. Os Estados que renegociaram a dívida com a União em 2016, explica ele, pagam as prestações calculadas pelo saldo devedor atualizado com base em um coeficiente de atualização monetária que compara a variação da Selic e do IPCA mais 4% em 12 meses. Esse tipo de atualização foi adotado para evitar efeito abrupto de oscilações de juros ou inflação nas prestações devidas pelos Estados. Como os Estados podem escolher entre Selic e o IPCA mais 4% e a taxa de juros baixou no decorrer de 2019, conta Santoro, houve maior amortização da dívida.

Só não conseguiu se beneficiar tanto da redução da taxa de juros no endividamento global, diz o secretário, os entes que estão com dívida em dólar, com crédito tomado em instituições internacionais. Isso porque desvalorização do real tornou mais caro, em reais, o pagamento de juros e amortização dos valores em moeda estrangeira.

Em Alagoas, a redução da taxa de juros contribuiu para o Estado amortizar a dívida em R$ 280 milhões no ano passado, diz Santoro. Com esse desempenho, houve redução do endividamento de 73,6% em 2018 para 58,2% em 2019, mesmo com a aprovação de nova operação de crédito com o Banco do Brasil. Dos R$ 300 milhões desse novo financiamento, diz Santoro, R$ 180 milhões entraram no ano passado. O secretário afirma que o Estado tem dívida em dólar, “mas relativamente baixa”, em torno de 10% do total.

Para o secretário, com projeções que indicam a sustentabilidade dos juros mais baixos neste ano, a perspectiva é de que os Estados mantenham a possibilidade de amortizar mais a dívida no decorrer de 2020. Vilma também lembra que a assunção de novas dívidas tem sido mais dificultada aos Estados, em razão de condições cada vez mais rígidas impostas para a concessão de garantias da União em empréstimos.

José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), destaca que a redução da dívida consolidada também impressiona. A dívida consolidada é o montante total das obrigações financeiras assumidas para amortização em prazo superior a doze meses. Nesse critério, 11 Estados reduziram nominalmente a dívida. “A conferir se não mudaram algum critério de contabilização, impressiona esse resultado que significa, por princípio, terem pago todos os juros que venceram no ano e ainda amortizado dívida” diz Afonso. Do lado das receitas, 12 Estados conseguiram elevação superior a 10%, em termos nominais, segundo ele.

Os dados agregados mostram que a receita corrente líquida cresceu nos 26 Estados em 2019, com alta média de 6,6% na comparação com o ano anterior. A dívida consolidada líquida aumentou na média em 2,6% na mesma comparação, mas caiu em 17 dos 26 Estados. A média foi, portanto, puxada pelo desempenho de Estados com dívidas maiores.

Entre eles, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, que apresentaram aumento do endividamento. Minas Gerais ainda não estourou o limite de 200%, embora seu endividamento tenha avançado de 189,03% ao fim de 2018 para 191,5% da receita corrente líquida em dezembro do ano passado. No Rio Grande do Sul, o indicador subiu de 222,9% para 224,38% em igual período. O maior se deu no Rio de Janeiro, com alta de quase 20 pontos percentuais, na mesma comparação.

O Rio é o único Estado que está dentro do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), programa oferecido pelo governo federal a entes com quadro de grande deterioração fiscal. Um dos benefícios do programa é a suspensão do pagamento da dívida à União, que é comumente a maior credora dos governos regionais. Rio Grande do Sul e Minas Gerais estão entre os Estados que pleiteiam a adesão ao RRF atualmente.

Vilma destaca que alguns Estados não têm pago a dívida com a União com base em liminares, o que contribui para a manutenção ou crescimento da dívida. Minas Gerais, é um desses Estados, diz ela. E Vilma lembra que, no ano passado o governo mineiro teve R$ 3,3 bilhões em garantias honradas pela União.

O governo goiano também mantém processo para aderir ao programa. O nível endividamento de Goiás, porém, segundo os critérios da LRF, é bem menor e decresceu de 92,19% em 2018 para 78,31% no ano passado.