Valor Econômico, v. 20, n. 4840 19/09/2019. Brasil, p. A2

“Choque de emprego” desonerará folha salarial, mesmo sem “CPMF”
 Lu Aiko Otta
 Raphael Di Cunto 


 

Retirada momentaneamente da pauta de discussões da reforma tributária, a desoneração da folha salarial voltou à mesa do ministro da Economia, Paulo Guedes, mesmo após a “morte em combate” do imposto sobre transações financeiras (similar à antiga CPMF). A medida deverá integrar o “choque de emprego” que o governo pretende anunciar em outubro.

A equipe econômica busca alternativas. O Valor apurou que uma sugestão, apresentada pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, é ampliar a base de incidência do IOF e “calibrar” sua alíquota, de forma que ele possa financiar a desoneração. O tributo já foi utilizado para substituir a CPMF, em 2008.

Essa, porém, não é a única fórmula em análise pelo governo. Há outras sugestões como eliminar algumas deduções e isenções do Imposto de Renda.

No discurso que fez na noite de terça-feira na abertura do IV Fórum Nacional do Comércio, Guedes lamentou a morte “em combate” do imposto sobre transações e afirmou que o Brasil “precisa” da desoneração da folha. 

“Não estamos com pressa de mostrar déficit zero”, afirmou o ministro, após falar em corte nos custos trabalhistas. “Se a economia crescer um pouco mais em vez de apertarmos excessivamente, se eu tenho certeza de que vai pegar...” Acrescentou que o ajuste fiscal será feito pelo corte de gastos.

O secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, tampouco avançou em detalhes sobre o financiamento da desoneração, ao participar ontem do mesmo evento do setor comercial. Questionado, disse que o governo precisará ser muito criativo para achar uma solução.

A desoneração da folha não é o único componente do programa de empregos. “Deveremos apresentar uma série de medidas no sentido de dar uma dinamizada no mercado de trabalho”, afirmou. Estão em análise medidas nas áreas de qualificação de mão de obra, microcrédito e mediação no mercado de trabalho.

O “choque de emprego” não conterá nenhuma medida “artificial” para gerar postos de trabalho, afirmou o secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, Carlos Da Costa, que também participou ontem do fórum. “O que gera emprego são empresas saudáveis, com perspectiva de crescimento.”

Costa informou que está em formulação um grande programa de qualificação profissional. Outra linha prioritária é elevar a produtividade das micro e pequenas empresas brasileiras, que hoje é muito baixa: 10%.

Fora do “choque de emprego”, o Ministério da Economia vem trabalhando em medidas que reduzem os custos de operação das empresas, disse Marinho. Ele citou como exemplo a revogação ou simplificação de Normas Regulamentadoras (NRs), que tratam da saúde e segurança dos trabalhadores. Das 35 que estão em vigor, sete já foram eliminadas ou reduzidas, com corte estimado de R$ 15,5 bilhões ao ano para as empresas.

A revogação de uma delas, que determinava a elaboração de planos de segurança de trabalho, permitirá economia de R$ 2,5 bilhões ao ano. Outra NR, de número 12, obrigava a adaptação de equipamentos importados, com custos adicionais de 30% a 40% para a adaptação. A economia estimada é de R$ 60 bilhões em dez anos.

Adaptações na NR 13, que trata de embargos e interdições, proporcionarão economia de R$ 7 bilhões ao ano.

As NRs dão base a 6.970 diferentes tipos de multas. Um banheiro de lanchonete pode ser multado de 40 maneiras diferentes. Há regras que tratam desde a temperatura da água até a posição da papeleira.

Além da revogação e adaptação das Normas Regulamentadoras (NRs), sua agenda prevê a revisão de normas que tratam de insalubridade, trabalho a céu aberto, trabalho agrícola e cotas.

Em relação às cotas, o secretário esclareceu que não é intenção do governo reduzi-las. No entanto, observou, vagas criadas para cumprir cotas muitas vezes não são preenchidas. Ele disse que poderá haver requalificação dos trabalhadores para que possam ocupar essas vagas. E também formas alternativas para empresas cumprirem as cotas.

O secretário disse que estão em andamento análises de quatro grupos temáticos de trabalho.

Um trata da convergência entre as normas da Previdência e do trabalho. Outro analisa a consolidação da legislação. Um terceiro proporá medidas para adaptar normas, trabalhadores e empresas para o mercado de trabalho que haverá daqui a 15 anos. “A Amazon é só a ponta do iceberg”, disse. “Ou nos adaptamos, ou seremos tragados.”

O quarto grupo tratará da reforma sindical. A legislação atual, que existe há 70 anos, foi inspirada no fascismo em seu enfrentamento ao comunismo, disse Marinho. “Estabeleceu uma relação espúria entre o Estado e o sindicalismo”, afirmou.