Valor Econômico, v. 20, n. 4949, 28/02/2020. Opinião, p. A15

O coronavírus e a economia global

Simon Johnson


O surgimento do covid-19, um novo coronavírus, é uma trágica emergência de saúde pública. A expectativa é de que a doença seja controlada rapidamente, mas o Fundo Monetário

Internacional (FMI) já está alertando que o crescimento econômico da China poderá desacelerar. Enquanto observamos o desenrolar da situação, três riscos mais abrangentes para a economia mundial também se tornam mais aparentes.

O primeiro risco obviamente está na própria China. Embora as origens precisas da doença ainda não estejam claras, é difícil fazer uma avaliação definitiva sobre a possibilidade de epidemias como essa serem evitadas - com, por exemplo, um melhor controle das condições de higiene em mercados de alimentos. Mas está claro que a falta de transparência na China contribuiu para os temores e até mesmo os sinais de pânico ao redor do mundo.

Conforme os mercados financeiros demonstraram em 2007-2008, quando a incidência exata de grandes riscos não é bem compreendida, as pessoas tendem a assumir o pior. A queda acelerada dos preços dos ativos pode não conter muita informação - exceto que não se tem muita informação.

Qual é a taxa de mortalidade exata associada ao covid-19? Por que a mortalidade supostamente varia bastante de local para local? O que explica a facilidade com que esse vírus parece, às vezes, percorrer grandes distâncias? Quais são os efeitos exatos de se manter pessoas em quarentena em um prédio, um hospital improvisado ou uma cidade?

As autoridades chinesas não têm todas as respostas, mas sua propensão a ocultar informações e explicações não ajuda em nada.

Em segundo lugar, a falta de uma liderança americana fica mais dolorosamente manifesta a cada dia. Os Estados Unidos possuem o melhor sistema médico e de saúde do mundo, com capacidade inigualável de pesquisa e desenvolvimento (governamental e privada). Mesmo assim, o governo do presidente americano Donald Trump parece estar preocupado principalmente em amenizar os riscos ao mesmo tempo em que tenta evitar a entrada do vírus nos EUA - uma tarefa quase impossível. grande variedade de doenças - mas somente aquelas para as quais há uma demanda sólida e constante nos EUA.

Até mesmo os mais fervorosos defensores do lema “a América em primeiro lugar”, de Trump, devem estar dispostos a reconhecer que não é interesse da América que o resto do mundo fique doente. São aliados, amigos e clientes dos Estados Unidos. Além disso, goste-se ou não, poucas doenças irão parar nas fronteiras da América. Na verdade, o Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos EUA (CDC) disse que a questão não é se, mas quando o covid-19 vai se propagar domesticamente.

O terceiro risco está nos mercados emergentes e países em desenvolvimento. Os países mais pobres são mal equipados para lidar com esse tipo de doença, conforme visto na recusa de países africanos de levar para casa seus cidadãos que se encontram na China.

A notícia de que o coronavírus chegou à Itália abalou os mercados financeiros mundiais, mas a Itália é um país rico e relativamente bem organizado. Uma democracia vibrante assegura que as pessoas (dentro e fora do país) rapidamente perceberão se as medidas de contenção e tratamento estão funcionando.

Deveríamos estar bem mais preocupados com outros países, onde a alimentação é pior, as condições de habitação são ruins e a transmissão de doenças pode se dar muito mais rapidamente. Se os sistemas de saúde desses países forem pressionados, EUA, Europa e outros deverão oferecer rapidamente assistência técnica e bens essenciais. Mas aqui também há, até o momento, uma preocupante falta de liderança.

Parece improvável que essa doença se mostre tão mortal quanto algumas das já experimentadas por nossos ancestrais. A medicina e a saúde pública avançaram muito. O CDC é uma organização extraordinária e a Organização Mundial da Saúde (OMC) possui um histórico sólido de atuação quando as coisas não vão bem. Grupos do setor privado de médicos e enfermeiros dedicados saem-se bem sob as circunstâncias mais difíceis, como no combate ao ebola, quando têm chances para isso. Somos afortunados por viver numa era com tantas pessoas heroicas.

Mesmo assim, o coronavírus é um alerta. As sociedades negligenciam o acesso aos sistemas de saúde e reduzem os investimentos em pesquisa e desenvolvimento, incorrendo num grande risco. As doenças estão sempre evoluindo e precisamos reforçar continuamente nossa capacidade de entender e combater novas ameaças.

A melhor solução é fortalecer a ciência, treinar mais cientistas e construir mais laboratórios. Os países capazes de fazer isso - como os EUA - deveriam compartilhar ideias e conhecimentos o máximo possível.

Investir mais em ciências é uma proposta econômica interessante. Tendo em conta as altas taxas de retorno social, as pesquisas básicas sobre uma grande variedade de atividades mais do que compensam os gastos.

Mas isso não se trata de economia. É mais provável que um dia um(a) cientista salve sua vida ou a de um ente querido porque seu trabalho anterior produziu um medicamento, um tratamento ou apenas uma ideia que fez uma diferença crucial. Deveríamos investir em cientistas para salvar a nós mesmos e aos nossos vizinhos. E precisamos nos lembrar de que temos vizinhos em todo esse nosso mundo altamente interconectado.

Simon Johnson é ex-economista-chefe do FMI, professor da MIT Sloan e assessor informal da campanha presidencial da senadora Elizabeth Warren. Ele é coautor, com Jonathan Gruber, de “Jump-Starting America: How Breakthrough Science Can Revive Economic Growth and the American Dream”. Copyright: Project Syndicate, 2020.

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