Valor Econômico, v. 20, n. 4850, 03/10/2019. Opinião, p. A18

Disputa por recursos atrasa a reforma da previdência


O Senado retirou um pedaço da economia prevista com a reforma da previdência na noite de terça-feira, eliminando a o teto para recebimento do abono salarial, de R$ 1.300 - com impacto de R$ 76,4 bilhões. Ontem foram rejeitadas emendas que cortariam mais R$ 200 bilhões da reforma, que sai do primeiro turno de votação com redução de gastos de R$ 800 bilhões. A encrenca agora é um possível atraso na votação em segundo turno por um motivo dos mais prosaicos - dinheiro.

O ministro da Economia, Paulo Guedes prometeu, como peça inaugural de seu “pacto federativo”, que Estados e municípios receberiam 15% cada do resultado do leilão do pré-sal marcado para novembro, uma bolada estimada em R$ 30 bilhões. A Câmara dos Deputados quer dar um quinhão maior para os municípios e o Senado quer manter a divisão equitativa. Governadores do Norte e Nordeste pressionaram contra isso e a reforma pode não ir em frente enquanto o governo não definir o que cabe a cada um.

O Senado, composto por políticos eleitos em base estadual, tem às vezes interesses distintos dos deputados, eleitos em bases regionais ou distritais. Que divirjam sobre a destinação dos recursos indica que seguem seus interesses eleitorais. Mas as dificuldades que a reforma ainda passa no Senado tem mais a ver com o fisiologismo do que com a preocupação em atender eleitores.

Estados e municípios, às voltas com penúria financeira, dívidas que não conseguem pagar e folhas de pagamento generosas, poderiam ter uma redução de despesas imprescindível se seus sistemas previdenciários, parte importante de sua ruína contábil, fossem incluídos na reforma

previdenciária. Deputados, muitos deles rivais de quem ocupa os Executivos estaduais, argumentaram que não estavam dispostos a sofrer desgaste político apenas para usufruto dos governadores, que sairiam ilesos da história. Esse cálculo paroquial impediu que Estados e municípios pudessem cortar despesas em R$ 350 bilhões em dez anos com a reforma.

A barreira à inclusão quase caiu no Senado. O relator na Casa, Tasso Jereissati (PSDB-CE), não teve outra forma de colocar os Estados e municípios que não em uma PEC paralela, pois caso aprovasse a mudança no texto da reforma da previdência ela teria de voltar à Câmara, com risco de não aprovação em 2019.

Assim, governadores que não tiveram força política para fazer valer uma ação que reduziria fortemente seus gastos mostram agora musculatura suficiente quando se trata de defender aumento de receitas. A repartição de recursos advindos do leilão do pré-sal é uma questão que não existia quando a reforma da previdência começou a tramitar. Virou um obstáculo, contornável, ao navegar nas ambiguidades do tal pacto federativo. Um dos problemas da ideia é que o dinheiro veio à frente das definições. Os governadores têm muito interesse no primeiro e nenhum no segundo.

Os Estados deram um baile em todos os ministros da Fazenda recentes que quiseram controlar suas despesas. O Programa de Estabilidade Fiscal (chamado de Plano Mansueto) está parado no Congresso à espera do desenlace da reforma, mas como estabelece um leque de possibilidades voltadas para o necessário corte de gastos e disciplinamento das despesas, não tende a ser exatamente um hit no Congresso.

A lei 12.850, de 2016, prorrogou débitos estaduais por 20 anos, com a condição de que os gastos com pessoal e custeio não ultrapassassem a inflação por dois exercícios seguidos. Não era uma exigência draconiana. Dezenove Estados aderiram e mais da metade deles (11) não o cumpriu.

O secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, diz que em tese teriam agora de pagar R$ 30 bilhões dos atrasados. Talvez até por esse motivo a equipe econômica procure formas de evitar que o dinheiro do pré-sal seja usado em despesas correntes pelos governadores e estude maneiras de que não passem sequer por suas mãos - mas é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha.

O exemplo do Rio é emblemático. Único contemplado com programa de emergência que o desobriga de pagar o principal e juros por algum tempo, o Estado não cumpriu as condições do acordo. O governador Wilson Witzel, já candidato à Presidência, teve uma ideia genial: negociará para que a dívida só volte a ser paga em 2023, quando não mais ocupará o Palácio da Guanabara. Se o dinheiro do pacto vier sem custos, melhor ainda.