Valor Econômico, v. 20, n. 4948, 27/02/2020. Política, p. A5

Bolsonaro usa ato para pressionar Congresso a manter veto presidencial

Andrea Jubé
Fabio Murakawa


O presidente Jair Bolsonaro não fará novos gestos para aprofundar a crise com o Congresso e com o Supremo Tribunal Federal (STF), mas redobrou a aposta em sua força nas ruas. Nos últimos dias, Bolsonaro assegurou a interlocutores que tem votos para manter o veto que limita o controle dos parlamentares sobre o Orçamento, e que se transformou em pauta dos atos convocados para o dia 15 de março.

Interlocutores do presidente acreditam que a polêmica em torno dos vídeos convidando a população para sair às ruas em defesa do governo, disparados de seu celular pessoal, contribuirá para manter sob o controle do Executivo o volume de R$ 30 bilhões, de um total de R$ 80 bilhões, que estão livres para serem gastos em 2020.

A percepção no Planalto é de que a controvérsia jogou luz sobre a relevância da manutenção do veto e cristalizou o apoio do eleitorado bolsonarista, aumentando a pressão sobre o parlamento.

Ontem Bolsonaro consultou amigos e aliados antes de publicar em suas redes sociais a mensagem respondendo às acusações de que ao disparar de seu celular pessoal vídeos sobre as manifestações, estaria colaborando para desestabilizar as instituições, em afronta à Constituição Federal.

“Tenho 35 milhões de seguidores em minhas mídias sociais, com notícias não divulgadas por parte da imprensa tradicional. No WhatsApp, algumas dezenas de amigos onde trocamos mensagens de cunho pessoal. Qualquer ilação fora desse contexto são tentativas rasteiras de tumultuar a República”, escreveu no Twitter.

O presidente não negou o envio da mensagem de seu smartphone. Mas para se esquivar da acusação de infração constitucional, argumentou que foram conversas pessoais.

O vice-presidente, Hamilton Mourão, foi às redes sociais esclarecer que não autorizou o uso de sua imagem para o chamamento dos atos. Mas na mesma mensagem, defendeu Bolsonaro e observou que os protestos são democráticos. Bolsonaro compartilhou a postagem em suas redes.

“Não autorizei o uso de minha imagem por ninguém, mas protestos fazem parte da democracia que não precisa de pescadores de águas turvas para defendê-la”, disse Mourão. “O presidente Jair Bolsonaro não atacou as instituições, que estão funcionando normalmente”, reforçou em texto publicado no Twitter.

As imagens de Mourão e do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, foram utilizadas para estampar convites para os atos na internet. Heleno chamou os parlamentares de “chantagistas” na semana passada.

Um aliado de seu núcleo mais próximo assegura que apesar da gravidade da crise, Bolsonaro reconhece a necessidade de manter uma boa relação com o Congresso para viabilizar politicamente as reformas econômicas.

Mas isso não significa que o presidente abrirá mão de seu ativo mais valioso: a capacidade de levar milhares de apoiadores às ruas. Políticos experientes sabem que o Congresso sente-se acuado com o povo nas ruas. Este aliado afirma que Bolsonaro, seus filhos e ministros não estimularão a realização dos protestos em suas redes sociais. Mas não farão gestos para refrear as convocações.

Em meio à expectativa quanto à dimensão dos protestos, mantem-se o impasse sobre o acordo que vinha sendo costurado com o Congresso pela manutenção do veto.

O acordo em negociação com os presidentes das duas Casas Legislativas previa que o governo enviasse um projeto de lei referente aos dispositivos vetados na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O

Congresso manteria um dos vetos de Bolsonaro e derrubaria os demais. Uma parcela dos R$ 30 bilhões permaneceria sob o controle do Planalto.

Mas o acerto, articulado pelo ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, desagradou a equipe econômica e o general Heleno - cujas críticas se tornaram públicas.

Um interlocutor de Bolsonaro disse ao Valor que a tendência é o governo manter o acordo. Mas ressalvou que o presidente e seu entorno acreditam hoje que, embora na Câmara haja uma tendência maior pela derrubada dos vetos, faltariam votos no Senado para que a derrota se consumasse. “A sensação é que temos uma situação confortável no Senado. O governo vai manter o acordo, mas não vai interferir nos votos dos senadores”, disse a fonte do governo.