Valor Econômico, v. 20, n. 4840 19/09/2019. Política, p. A13


Portarias e pareceres de Dodge devem ser revistos por Aras
 Mariana Muniz
 Isadora Peron 

 

Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para assumir o comando da Procuradoria-Geral da República (PGR), o subprocurador Augusto Aras pretende rever uma série de manifestações e portarias editadas pela antecessora, Raquel Dodge, nas últimas semanas.

Aras, que ainda precisa do aval do Senado para assumir o cargo, sinalizou a parlamentares que um dos pareceres que passará por um pente-fino é o que defendeu a cassação do mandato da senadora Selma Arruda (Podemos-MT).

Em sua manifestação, do dia 10 de setembro, já iniciando a fase final do mandato na qual adotou atitudes diferentes das anteriores, a então procuradora-geral classificou como “irretocável” a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT), que acusou a senadora de abuso de poder econômico e caixa dois durante a eleição de 2018. O veredicto da corte eleitoral foi pela cassação do mandato.

Esta seria apenas a primeira revisão, mas muitas outras deverão ocorrer logo que Aras assumir. Fontes ligadas ao subprocurador afirmam que ele já deve começar o pente-fino, especialmente em nomeações feitas pela antecessora nas últimas semanas do mandato.

De acordo com fontes da PGR, 31 portarias foram assinadas por Dodge em seu último dia como chefe do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público da União (MPU). Uma das ações que causaram mal-estar na nova gestão foi a nomeação de uma assessora de Dodge, Cristina Nascimento, para um cargo na presidência do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

Em nota sobre as portarias, o Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério Público da União (SindiMPU) disse que, até o momento, não encontrou “nenhuma que traga efetivos prejuízos aos servidores”.

Nas últimas semanas, marcando novas posições, Dodge fez também uma série de manifestações contrárias às posições defendidas por Bolsonaro.

Na terça-feira, seu último dia como procuradora-geral, ela enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um parecer contra as mudanças nas regras de porte e posse de armas.

Além desse, o Valor analisou outros 35 pareceres enviados por Dodge desde que o presidente anunciou que Aras seria o novo PGR, em 5 de setembro. Pelo menos 12 deles contestam temas considerados sensíveis para o bolsonarismo.

Sobre os decretos, Dodge afirma que a edição dos decretos que alteram as regras de posse e de porte de armas afrontam “o princípio da separação dos Poderes e substituem o papel do poder Legislativo na tomada de decisão acerca da política pública sobre porte e posse de armas de fogo”. A manifestação foi feita no âmbito de uma ação ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade.

Em outra ofensiva feita em seu último dia à frente da PGR, Dodge contestou no Supremo o projeto Escola sem Partido, bastante caro a uma ala do bolsonarismo. Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) apresentada à Corte, a procuradora pede a suspensão de qualquer ato do poder público que autorize ou promova censura a docentes no ambiente escolar. Segundo ela, a medida foi motivada pelo crescente número de leis e movimentos que buscam implantar um modelo de ensino que contraria o que está previsto na Constituição.

Entre os movimentos apontados pela PGR, está o Escola Sem Partido, que propõe restrições à liberdade de expressão dos docentes com base em vedações genéricas e vagas à “doutrinação” política e ideológica.

Além disso, visa a impor limites à emissão de opiniões político-partidárias, religiosas ou filosóficas, à manifestação de convicções morais, religiosas ou ideológicas eventualmente contrárias às de estudantes, pais ou responsáveis, e à abordagem de questões relacionadas a gênero e sexualidade no ambiente escolar, aponta a PGR.

“A escola é o espaço estratégico para a construção de uma sociedade de pessoas que se dirigem umas às outras de forma ética, sendo essencial, a tal propósito, a abordagem de questões como gênero, identidade de gênero e orientação sexual”, observou na peça.

Nas últimas semanas ela também se posicionou a favor da suspensão da portaria do Ministério  da Justiça que prevê deportação sumária de pessoa “suspeita” ou “perigosa”, da regulamentação do plantio da maconha para fins medicinais e defendeu os direitos dos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas.