Valor Econômico, v. 20, n. 4840 19/09/2019. Valor Investe, p. C10
 

Previdência privada em tempo de juros baixos
 Daniel Celano

 

A tendência de redução no patamar de juros real disponível para os investidores deve permanecer por mais tempo como o “novo normal”, considerando-se que o Brasil seguirá em uma agenda de reformas estruturantes e menos intervencionista no plano macroeconômico. Nesse cenário, há desafios e oportunidades que o investidor de longo prazo deve observar.

Primeiramente, vamos precisar de mais dinheiro para nos aposentar. Em estudo recente, nossa equipe no Reino Unido destacou o fenômeno de “wealth illusion”, criado pelo contraste entre juro real mais alto na geração anterior e mais baixos hoje. Um investimento de 200 mil libras esterlinas para aposentadoria uma geração atrás equivale a 1 milhão de libras hoje.

No Brasil, temos um contraste entre juros reais de 7% em 2009 contra uma taxa perto de 3% hoje. A queda nos juros reais (juros nominais menos inflação) significa que a renda que pode ser “comprada/ investida” hoje é menor do que era possível na década passada.Também temos a correção pela inflação, ou “money illusion”: um total de R$ 100 mil há dez anos equivale R$ 175 mil hoje corrigido pela inflação. Para o investidor brasileiro que busca assegurar 30 anos de renda mantendo o seu poder de compra, o efeito combinado dos dois fatores (money e wealth illusions) faz com que R$ 100 mil investidos para aposentadoria em 2009 equivalham a R$ 250 mil hoje.

Portanto, é cada vez mais importante usar planos e produtos que busquem prêmios acima da inflação e/ou sejam orientados a resultados, idealmente de 3% a 5% de juro real, com ampla diversificação, combinando ativos locais e internacionais em renda fixa (incluindo crédito corporativo e “high yield”), renda variável e investimentos alternativos. Para um salário corrigido pela inflação ano a ano, a contribuição mensal para um juro real de 3% deve ser de 15% do salário para que, na idade de aposentar-se, o indivíduo tenha 67% de “replacement ratio”, o salário de reposição durante aposentadoria (considerando 40 anos de contribuição e 30 de aposentadoria).

Além disso, hoje os planos do tipo PGBL e VGBL são quase exclusivamente associados ao tema aposentadoria, mas são ferramentas eficientes para acumulação de recursos de longo prazo, especialmente em ambientes de juro baixo, com uso, por exemplo, no planejamento para abater despesas médicas em idade avançada; na educação superior dos filhos; e em alternativas de planejamento sucessório. Porém, como todo “dinheiro de longo prazo”, devemos considerar a trajetória que essa acumulação irá percorrer, e diversificar os investimentos para proteção contra risco. Precisamos considerar a diversificação como instrumento de proteção de “downside” e a realocação de portfólios, sendo feita via PGBL/VGBL (sem o efeito de come-cotas, o que aumenta a riqueza esperada no futuro).

Com juros mais baixos, o CDI deverá perder relevância como balizador, dando lugar à eficiência de alocação dos portfólios. Há uma ideia comumente disseminada (incorreta, na minha visão) de que precisamos correr mais risco se não poupamos o suficiente.

Um argumento melhor, na minha visão, é investir de forma mais eficiente. Cerca de 80% do total de ativos está investido em fundos PGBL/VGBL no terceiro e quarto quartil de performance da indústria, classificados por dados dos últimos 24 meses. Vemos muito espaço para melhoria de eficiência, e a maneira de fazê-lo no mesmo nível de risco é melhorar o índice de Sharpe, com diversificação internacional na alocação de portfólios e outras classes de ativos locais (além de títulos públicos do Tesouro).

A diversificação internacional em meio a juros mais baixos é quase “almoço grátis”, pois serve como proteção contra a desvalorização da moeda local e como diversificador das fontes de retorno. Se pegarmos o agregado da indústria de fundos de PGBL e VGBL classificados como multimercados e balanceados nos últimos cinco anos, e adicionarmos 20% em renda fixa internacional com perfil bem conservador (rendendo em dólares perto de 3% ao ano), temos 1,4% a mais de retorno ao ano e reduzimos o risco em 40%. A regulação de previdência aberta vem se modernizando, mas há espaço para avançar na alocação internacional, em linha com o já existente para fundos de forma simples e segura.

Outro fator que ganha mais importância com juros baixos é ter uma assessoria financeira especializada durante o prazo de acumulação (esperado em 40 anos). O habitual “buy-and-hold” (“investir e manter”) pode ser muito ineficiente no longo prazo, pois novos produtos vêm ao mercado e o comportamento do investidor em relação ao risco muda, seja pelo  tempo decorrido, riqueza acumulada ou outros fatores.

O investidor comum não tem tempo de prestar atenção no dia a dia a aspectos muito técnicos, como planejamento sucessório, regimes tributários, realocação de ativos e ciclos econômicos. Não ter assessoria avaliando esses aspectos periodicamente é como não ter um médico para fazer o seu check-up anual.

As taxas cobradas devem ser avaliadas, levando-se em conta não apenas a rentabilidade dos fundos investidos, mas também as condições do plano, o risco do fundo, tábuas atuariais mais vantajosas e/ou garantias de inflação acrescidas de um percentual fixo de correção em renda (vitalícia ou prazo fixo).

É necessário começar a se mexer hoje sobre como investir e poupar de forma mais eficiente, combinando a melhores opções de investimentos, levando-se em conta o rebalanceamento de portfólio no período de acumulação e as condições de conversão em renda, quando aplicável, com foco nos recursos de longo prazo.