Valor Econômico, v. 20, n. 4841 20/09/2019. Legislação e Tributos, p. E2

O que esperar de um novo pregão eletrônico

 Bruno Calfat

 

O governo federal deve editar, como já anunciado, um novo regulamento para modernizar o pregão eletrônico, com a promessa de aprimorar processos de forma a dar celeridade e reduzir os custos operacionais envolvidos nesta modalidade licitatória.

Segundo especialistas que participaram de debate público proposto pelo Ministério da Economia sobre o tema, o novo modelo de pregão poderia gerar uma economia de 0,6% a 7% no volume total de compras realizadas. Quinze anos depois da publicação do decreto 5.450/2002, era preciso mesmo privilegiar este tema para ampliar a eficácia e transparência desse tipo de licitação. O aumento da competição também será possível graças à facilitação da participação de empresas estrangeiras

Em 2018, o valor total destinado à compra de bens e serviços ultrapassou R$ 48 bilhões, sendo R$ 19 bilhões por pregão eletrônico. De acordo com dados do ComprasNet, mais de 90% das licitações da União foram realizadas por essa modalidade.

Há um bom tempo é clara a intenção de se adotar o pregão eletrônico como modalidade preferencial nas contratações não apenas em relação aos órgãos da administração pública federal direta, quando se tratar da aquisição de bens e serviços comuns. Pela proposta de regulamentação - de acordo com o texto do Ministério, após consulta popular -, autarquias, fundações e fundos especiais também terão essa obrigatoriedade, com regras que prestigiam a segurança e a economia do processo de licitação.

Em outras esferas de governo, principalmente no âmbito municipal, ainda é muito usual o uso do pregão presencial, o que seria mitigado por um eventual novo decreto é certamente um desafio, sobretudo, para os municípios menores.

No que for compatível com a Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016), as normas de um novo decreto poderão ser aplicadas pelas empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive no tocante ao sistema de cotação eletrônica na contratação de serviços por dispensa de licitação.

Dentre as 27 mudanças propostas pelo governo, espera-se, inicialmente, um alinhamento à jurisprudência do Tribunal de Contas da União, que é uníssona a respeito da viabilidade do uso do pregão para a contratação de serviços de engenharia, mas não deverá ser autorizada a sua utilização para a contratação de obras, por exemplo. É preciso destacar a fragilidade deste tipo de contratação para serviços especiais, em que um importante contexto deve ser avaliado, para além da franca concorrência dos preços.

O decreto pode não ser suficiente para assegurar a qualidade técnica dos licitantes, sobretudo em segmentos nos quais se exige uma alta especialização, tais como engenharia, gestão de resíduos, tecnologia, dentre outros. Com relação a produtos e serviços técnicos complexos, a expertise dos concorrentes deve ser melhor apurada pela pessoa jurídica contratante, a fim de que haja satisfatório atendimento ao interesse público, ainda que em detrimento do requisito menor preço.

A exigência de um estudo preliminar para planejar toda a futura contratação é medida elogiável. O aumento da competição - e o consequente melhor atendimento ao interesse público - também será possível graças à facilitação da participação de empresas estrangeiras no pregão, pois os documentos de habilitação poderão ser apresentados

Durante as discussões propostas pelo Ministério da Economia para análises da sociedade civil, especialistas e gestores públicos, a mudança mais polêmica certamente foi a que trata do valor estimado ou o valor máximo para a contratação.

Tradicionalmente, a lei exigia a divulgação do orçamento elaborado para se chegar ao valor estimado, o que trazia luz ao raciocínio da administração pública para apresentar esses valores. A partir de agora, esse dado não estará mais no instrumento convocatório.

Pela proposta de regulamentação, os valores só serão fornecidos aos órgãos de controle interno e externo e se tornarão públicos apenas após o encerramento da fase de disputa de lances, na linha adotada pelas legislações mais recentes sobre contratação pública (Leis nº 12.462/2011 e 13.303/2016). Caso seja adotado o critério de maior desconto, porém, esses valores estimados ou máximos aceitáveis deverão obrigatoriamente constar do edital.

Novamente, as inovações propostas para o pregão eletrônico certamente representam um grande avanço e trarão mais eficiência e transparência aos processos, mas há que se estar atento à realidade do Brasil. Por isso, é preciso perseguir o aumento da segurança jurídica como uma garantia de preservação do interesse público.