Valor Econômico, v. 20, n. 4842 21/09/2019. Brasil, p. A6

Brasil liga alerta por vaga no Conselho de Segurança da ONU

 Daniel Rittner 


Com a imagem arranhada no exterior, o Brasil pode colocar em risco sua volta ao Conselho de Segurança das Nações Unidas no biênio 2022-2023. A campanha para obter um assento rotativo no grupo começa há pelo menos dois anos antes. Para garantir a vaga, é preciso ter o apoio não apenas dos vizinhos na América Latina, mas dois terços dos votos de países-membros da ONU. A eleição ocorre em 2021.

Por um descuido do governo Dilma Rousseff, que demonstrava pouco interesse pelo tema, o Brasil ficou sem apresentar candidatura ao Conselho de Segurança e todas as cadeiras latino-americanas foram preenchidas até 2033. Isso levaria o país a manter-se afastado do principal colegiado da ONU por mais de duas décadas - a última vez foi no biênio 2010-2011.

Graças a um acordo fechado na gestão Michel Temer, o Brasil conseguiu antecipar seu retorno em mais de dez anos. O Itamaraty costurou com Honduras a “cessão” da vaga à qual o país tinha direito. Mesmo assim, como é de praxe, uma campanha tem que ser conduzida internacionalmente para referendar a escolha.

É justamente aí que o radar de alguns diplomatas foi ligado. Um embaixador europeu em Brasília disse ao Valor, pedindo para não ser identificado, que seu país poderia até considerar uma abstenção. Tudo dependerá, segundo esse representante, da abordagem do presidente Jair Bolsonaro e sua equipe em temas como a proteção ambiental e direitos humanos.

Outro foco de resistência à candidatura brasileira poderia vir, segundo observadores da política externa, de países da Liga Árabe. Eles já estiveram mais insatisfeitos com a postura de Bolsonaro de defender a transferência, de Tel Aviv para Jerusalém, da embaixada do Brasil em Israel. Comenta-se, nos bastidores, que o Egito  teve a postura mais crítica desse bloco. Mas o auge do mal-estar já passou.

Há tempo de sobra para conter ameaças na campanha ao Conselho de Segurança. Apesar de distante, porém, as articulações para a eleição já começaram discretamente. Geralmente, o Itamaraty estabelece o compromisso de votos em outros fóruns multilaterais com a expectativa de reciprocidade no apoio mais à frente.

Foi o caso, neste mês, da eleição de novos membros para o conselho de governadores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Está aberto também o processo de escolha para diretor-geral da organização. Competem os candidatos da Argentina (que deve ter o voto do Brasil), Romênia, Eslováquia e Burkina Faso.

Cinco países - Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França - têm assento permanente no Conselho de Segurança e poder de veto sobre qualquer decisão. As demais vagas são exercidas em rodízio dentro de cada região: cinco da África, Ásia e Pacífico; dois da América Latina; um da Europa Ocidental; um do Leste Europeu; e outro assento escolhido entre os demais países. 

O Brasil tem trabalhado por uma reforma da ONU e formou o G-4 (com Alemanha, Japão e Índia) para pedir uma vaga permanente no colegiado. O tema foi alçado às prioridades da política externa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas tornou-se secundário nos objetivos do Itamaraty desde 2011. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, já disse que a inclusão definitiva do Brasil no Conselho de Segurança não é prioridade da atual gestão.

Mesmo assim, às margens da Assembleia Geral da ONU, Araújo se encontra na quarta-feira com os chanceleres dos três outros integrantes do G-4. Uma das preocupações da diplomacia brasileira é dar evidência ao pleito de reforma - o assunto foi gradualmente saindo de pauta nos últimos anos. Para uma fonte, “quando você não ocupa um espaço, alguém o preenche”. O risco, segundo esse interlocutor, é de México ou Argentina assumirem a liderança do processo, pelo menos na América Latina, quando a ampliação dos membros permanentes no Conselho de Segurança voltar à ordem do dia.