Valor Econômico, v. 20, n. 4948, 27/02/2020. Opinião, p. A11

A independência do Banco Central

Jairo Saddi


Passaram quase desapercebidas a visita ao deputado federal Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, e a respectiva apresentação do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de dois relevantes temas ao Sistema Financeiro Nacional: a nova Lei Cambial e o projeto de autonomia do Banco Central. Como já tratei do tema cambial em 28/10/2019 (“Liberalização cambial”), achei oportuno cuidar do outro neste artigo e especialmente em razão das rusgas entre Câmara e Senado nesta semana sobre o mesmo assunto.

O Projeto de Lei Complementar (PLP) 112/19 (atualmente apensado ao PLP 200/89) dispõe sobre a autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira do Banco Central, define seus objetivos e altera a Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Na visita, Roberto

Campos Neto traçou uma importante agenda da pauta de reformas e do papel do Congresso Nacional como seu protagonista, em especial no esforço de manter juros baixos e inflação controlada em um ambiente de crescimento sustentável. Apontou certos argumentos sobre as vantagens de manter um Banco Central autônomo e está absolutamente correto quanto à observação de que o voluntarismo não é suficiente para enfrentar desafios nem método eficiente para juros baixos: há muito que se diz, juros não caem com bravatas.

Também afirmou que é possível ter inflação baixa sem sacrificar crescimento econômico e que um Banco Central autônomo não antagoniza com desenvolvimento. Mostrou a experiência internacional e casos em que a estrutura institucional da autoridade mantém uma estreita relação com baixa inflação, ainda que existam outros (como, por exemplo, o Banco do Japão) em que a autoridade monetária é dependente e, mesmo assim, há controle inflacionário.

Especialmente no caso brasileiro, em que já há metas de inflação, um contrato da autoridade monetária com a sociedade para perseguir certas metas de inflação e definir o papel do Banco Central, com o objetivo de “zelar pela estabilidade da moeda” (além do sistema financeiro), é competência clássica que não pode acomodar novos modismos.

Fundamentalmente, a autonomia do Banco Central permite reduzir instabilidades em períodos de transição, já que os mandatos não são coincidentes com os dos cargos majoritários, isolando a autarquia das pressões políticas, especialmente em matéria de moeda, crédito e juros.

E, em uma recente entrevista à Globonews, Campos Neto comentou a vinculação do então Coaf (agora chamado de Unidade de Inteligência Financeira, funcionando dentro da estrutura do Banco Central e vinculado diretamente à diretoria colegiada do banco) com um argumento conhecido e verdadeiro: a qualidade técnica e apolítica das equipes do BC e o seu isolamento da política.

O que se indaga agora é se isso é possível para a concorrência e os juros menores. Na apresentação citada, ele se referiu “aos mitos sobre autonomia do BC”, citando argumentos comuns e equivocados que pautaram o debate nos últimos 30 anos: que haverá captura do Banco Central pelos banqueiros, que juros dispararão devido a esta agenda de interesses e de grupos de pressão e, em razão disto, não haverá contribuição efetiva para o crescimento; pois o BC passará a emitir moeda desenfreadamente e terá as próprias regras sem prestar qualquer tipo de conta à sociedade.

Central e dar à sua atividade maior transparência. Portanto, o quanto consta do art. 11 do PLP 112/19, é da maior relevância: o uso dos “instrumentos de transparência e prestação de contas quanto à manutenção da estabilidade monetária e financeira e à sua gestão, os quais serão amplamente divulgados, inclusive em meios eletrônicos de acesso público”, tais como “I - comunicados e atas das reuniões para formulação da política monetária; II - relatório de inflação, que abordará a condução da política monetária, os resultados de suas decisões passadas e a avaliação prospectiva da inflação; III - relatório de estabilidade financeira, que abordará a evolução e as perspectivas da estabilidade financeira, com foco nos principais riscos, nas medidas adotadas para mitigá-los e na avaliação da resiliência do sistema financeiro;

IV - indicadores de conjuntura econômico-financeira e outras informações de interesse coletivo ou geral; V - consultas públicas e outros mecanismos de participação popular na elaboração e na discussão de minutas de atos normativos, quando julgados convenientes para colher subsídios sobre assuntos de interesse geral; e VI - relatório da administração, demonstrações contábeis e financeiras e relatório de execução orçamentária e financeira”.

Jairo Saddi, pós-doutor pela Universidade de Oxford, doutor em Direito Econômico (USP), e professor da Escola de Direito da FGV-Rio e escreve mensalmente neste espaço.