Valor Econômico, v. 20, n. 4842 21/09/2019. Opinião, p. A16

Paralisia do Cade exige rápida ação do Senado

 

Em maio de 2012, quando o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) começou a funcionar sob um novo arranjo institucional, tinha-se a confiança de que o sistema brasileiro de defesa da concorrência passaria a operar com mais rapidez e eficiência.  Afinal, a Lei 12.529 de 2011 dava novos poderes e instrumentos à autarquia, como o estabelecimento da exigência de submissão prévia ao Cade de fusões e aquisições de empresas que possam ter efeitos anticompetitivos. A legislação, no entanto, não conseguiu proteger a instituição das inconstâncias da política nacional. Hoje, ela vive uma paralisia inédita em sua história.

O problema ganhou contornos ainda mais críticos a partir do dia 17 de julho, quando acabou o mandato de Paulo Burnier no conselho e o tribunal do Cade passou a ser composto por apenas três integrantes - dois conselheiros e o presidente. Dias antes, Polyanna Vilanova e João Paulo de Resende já haviam deixado seus respectivos cargos e nenhuma substituição estava encaminhada.

A legislação é clara: esse número é inferior ao quórum exigido para a instalação de sessões de julgamento. “As decisões do tribunal serão tomadas por maioria, com a presença mínima de quatro membros, sendo o quórum de deliberação mínimo de três membros”, determina a lei em seu nono artigo. Ou seja, para instalação de uma sessão de julgamento é necessária a presença de quatro membros. Para deliberação, no entanto, basta que haja três membros aptos a votar, pois há casos de impedimento de conselheiros, por exemplo.

Em momentos anteriores, o conselho já atuou com quórum mínimo. Mas desta vez o problema foi além: o Cade teve que suspender os prazos relativos a processos de operações que já se encontram em apreciação no tribunal ou que serão remetidas ao crivo dos conselheiros. Além disso, os atos de concentração aprovados pela Superintendência-Geral desde o dia 2 de julho não poderão ser consumados até o restabelecimento do quórum. Isso se deve ao prazo regimental de 15 dias para o procedimento de avocação por um conselheiro do tribunal.

Felizmente, a Superintendência-Geral segue trabalhando. Cabe a ela desempenhar grande parte das funções antes realizadas pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE) e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (Seae), como a investigação e a instrução de processos de combate ao abuso do poder econômico e também a análise de determinados atos de concentração.

Hoje, há 35 casos em estoque na Superintendência-Geral, cujas análises ocorrem normalmente. Por outro lado, 86 atos de concentração aprovados pela Superintendência-Geral não podem ser consumados até o restabelecimento do quórum. O estoque do tribunal é de três processos.

Há casos envolvendo diversos setores da economia. Alguns exemplos: tecnologia, indústria automotiva, saneamento, serviços, indústria farmacêutica, construção civil, mercado financeiro, nutrição animal, insumos agrícolas, energia elétrica, equipamentos para automação, petróleo, mineração, serviços médicos e hospitalares, logística, resseguros, varejo, educação, empreendimentos florestais, telecomunicações e bebidas. Tamanha diversidade e o grande volume de operações travadas são exemplos do complexo ambiente de negócios encontrado no Brasil.

Mesmo assim, a despeito da urgência em se destravar os trabalhos do Cade, as indicações do governo para o conselho acabaram envolvidas na disputa política entre o Executivo e o Parlamento.

Na última semana, contudo, finalmente a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal (CAE) agendou as sabatinas de seis indicados. Está prevista para terça-feira a audiência com os quatro indicados ao cargo de conselheiro. No dia 1º de outubro, serão ouvidos os indicados para a função de superintendente-geral e ao posto de procurador-chefe.

 

Os senadores têm, agora, a missão de escrutinar célere e cuidadosamente os nomes escolhidos pelo presidente Jair Bolsonaro. Afinal, o Cade precisa retomar logo suas atividades, mantendo-se como um órgão de Estado com perfil técnico. Essa é a expectativa de empresários nacionais, investidores estrangeiros e consumidores.