Valor Econômico, v. 20, n. 4842 21/09/2019. Opinião, p. A16
 

Por que a Amazônia é tão importante para o Brasil
 Paulo Feldmann

 

Graças à Amazônia a América do Sul é a região que possui o maior número de espécies do planeta e isto lhe dá uma vantagem competitiva imbatível, que é a riqueza da sua biodiversidade.  A variedade de espécies animais e vegetais existentes no ecossistema amazônico representa o maior arquivo biológico conhecido de genes, moléculas e microrganismos.

Isso significa que a biodiversidade da Amazônia é a chave para o desenvolvimento de inúmeros produtos, como medicamentos, alimentos, fertilizantes, pesticidas, plásticos, solventes, cosméticos, têxteis e fermentos. A Floresta Amazônica se espalha por nove países, o maior deles o Brasil, e possui aproximadamente 26% do estoque genético do planeta, ou seja, 26% de todos os as sequências de DNA combinadas na natureza.

Quase todo conhecimento do qual a biotecnologia e a genética vão necessitar será extraído da flora e da fauna amazônica. Esta talvez seja a principal razão pela qual o mundo inteiro presta tanta atenção em tudo que aconteça naquela região. A proteção da biodiversidade é um tema tão importante quanto a mudança climática, apesar de se fale muito mais desta.

Nos últimos 200 anos a humanidade assistiu ao surgimento de tecnologias que provocaram transformações imensas na vida de todos: tivemos a invenção das máquinas e motores a vapor, depois a eletricidade, o automóvel, o avião, mais recentemente os computadores, a internet e o celular. Os especialistas consideram que em menos de 30 anos as grandes transformações virão das chamadas ciências da vida como a genética, a medicina, a farmacêutica e principalmente a biotecnologia. Esta trata da utilização de organismos vivos para modificação de produtos aí incluídos seres e animais. A matéria prima fundamental da biotecnologia é a biodiversidade. Daí a importância da Amazônia.

Não é de hoje que o conhecimento embutido nas plantas, ou seja, seu princípio ativo, tem sido utilizado na fabricação de medicamentos. A morfina pura era extraída no início do século XIX do extrato de folhas de papoula (Papaver somniferum). No final do século XIX surgiu pela primeira vez a aspirina, ou ácido acetilsalicílico que é uma consequência do conhecimento que se tinha na época de que as cascas do salgueiro eram muito apropriadas para combater febre e dor. Ao se descobrir e isolar a substância ativa que era a salicina ficou possível fabricar a aspirina. Hoje estima se que entre 40 a 50 % das drogas mais vendidas no mundo se originaram por meio de conhecimento adquiridos pelo estudo de plantas. 

A indústria farmacêutica mundial dá o nome de bio-prospecção às pesquisas feitas para descobrir quais plantas contêm propriedades que podem resultar em medicamentos. Para isso centenas de pesquisadores, a maioria provenientes de laboratórios europeus ou norte-americanos, habita a Amazônia. Suas descobertas são transmitidas para suas matrizes e muitas vezes os resultados geram bilhões de dólares para as empresas farmacêuticas, mas praticamente nada fica com os países da América do Sul onde as descobertas foram feitas.

A esse fato se dá o nome de biopirataria. Existe até um tratado mundial, feito em 2014, denominado Protocolo de Nagoya, que objetiva coibir a biopirataria e transferir alguma compensação para os países de onde as plantas foram retiradas mas sua operacionalização caminha a passos lentos.

O fato importante para o Brasil não está apenas em proteger a biodiversidade amazônica, mas sim de usufruir este conhecimento embutido nas plantas. Para isso precisaríamos apoiar a criação de laboratórios farmacêuticos nacionais. Afinal quando examinamos quais são os 50 maiores laboratórios farmacêuticos do mundo verificamos que não há nenhum brasileiro.

Claro que para termos uma indústria importante vamos precisar não apenas de investimentos, mas também de recursos humanos qualificados, o que significa que atenção especial deve ser dada à formação de profissionais como geneticistas, biólogos, botânicos, farmacêuticos e médicos. Mas também há que se destacar que nesta área dos recursos humanos não estamos na estaca zero e, pelo contrário, formamos profissionais altamente qualificados que com frequência vão trabalhar nos grandes laboratórios do exterior.

Interessante que muito se fala que um dos maiores erros cometidos pelo nosso país nos últimos 80 anos foi o de basear o nosso desenvolvimento na exploração de recursos naturais. Entretanto, e por mais contraditório que possa parecer, é somente agora, neste ainda início do século XXI, que uma janela se abre para o Brasil precisamente por causa de nossos recursos naturais existentes no interior da Floresta Amazônica.

Há autores que apregoam que a biodiversidade representará para o século XXI o mesmo que o petróleo foi para o século XX, pois quase todo conhecimento do qual a Biotecnologia e a Genética vão necessitar será extraído da Flora e Fauna Amazônica.

Não faltam problemas ao Brasil. Estamos com a economia estagnada e não é de agora. Quando nos comparamos com os países asiáticos verificamos que não crescemos nem a metade do que eles conseguiram crescer nestes últimos 40 anos. Mas agora podemos dar um grande salto por que possuímos a matéria prima básica para diversos setores importantes no restante deste século: temos o que precisam a indústria farmacêutica, o setor de cosméticos ou o de defensivos agrícolas, sem contar um setor no qual já somos muito fortes que é o de produção de alimentos.

No passado deixamos de embarcar em diversas ondas tecnológicas, mas também nenhuma nos foi tão favorável quanto esta o será. É urgente que tenhamos pelo menos um plano a qual muitos chamam de política industrial, onde se defina de que forma queremos usar esta imensa riqueza que possuímos e como seremos protagonistas da Revolução da Biotecnologia e não um mero exportador de matérias primas, como temos sido desde as revoluções anteriores.