Valor Econômico, v. 20, n. 4842 21/09/2019. Legislação e Tributos, p. E1
 

STF voltará a discutir habeas corpus contra ato de ministro
Joice Bacelo


Uma decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, sinaliza que a Corte vai rediscutir o cabimento de habeas corpus (HC) contra atos individuais de ministros. Ele autorizou, na última semana, que os HCs sejam distribuídos para que os relatores possam levar os casos ao Plenário. Antes, esses processos eram direcionados para a presidência, que aplicava a jurisprudência e automaticamente negava os pedidos.

Pela jurisprudência atual - que era, até a semana passada, aplicada pela presidência - não é permitido impetrar habeas corpus contra decisões individuais de ministros do STF. Hoje, os réus podem apenas apresentar recurso contra a decisão monocrática, o que, segundo advogados, limita a atuação da defesa.

Se a parte entrar com agravo regimental, que é o permitido, fica nas mãos do ministro que proferiu a decisão levar o caso para a análise da turma. Já o habeas corpus é uma ação autônoma e tem tramitação prioritária. Um outro ministro vai julgar a decisão que foi tomada e poderá, inclusive, proferir liminar para suspender os efeitos de tal determinação antes do julgamento pelo Plenário.

A última análise sobre esse tema foi em 2016 e a decisão se deu por um placar apertado: seis a cinco contra o habeas corpus. A maioria, na época, foi formada com o voto do ministro Teori Zavascki, que morreu em um acidente aéreo em janeiro de 2017.

Desde então, a presidência aplicava a jurisprudência de forma automática. O presidente Dias Toffoli levou em conta para a sua decisão da semana passada (HC 175.642), no entanto, um debate que ocorreu entre os ministros na sessão extraordinária do dia 11. Na ocasião, o ministro Alexandre de Moraes sinalizou que tem entendimento diferente ao de Teori Zavascki;

“Eu apliquei a até hoje pacífica jurisprudência de não cabimento de habeas corpus contra decisão proferida por ministro do STF”, disse ao votar um processo de sua relatoria na sessão do dia 11. “Eu faço essa ressalva porque não é a minha postura. Eu entendo que em algumas hipóteses há a possibilidade”, acrescentou.

Para Moraes, o que não poderia ocorrer seria o HC sobre HC. Um ministro decide pela prisão, por exemplo, a defesa entra com habeas corpus, o segundo ministro mantém a prisão, e a defesa entra com um terceiro habeas corpus. “Porque aí usaria um repique”, ponderou o ministro. “Mas contra um ato constritivo do ministro regular do Supremo Tribunal Federal que não seja em HC eu entendo que seria possível”, complementou.

O caso que foi levado ao Plenário da Corte (HC 162285) trata de um habeas corpus impetrado por Leonardo Arantes, ex-secretário executivo do Ministério do Trabalho, contra decisão do ministro Edson Fachin que determinou a sua prisão preventiva.

Arantes foi um dos alvos da operação Registro Espúrio, deflagrada no ano passado pela Polícia Federal, que investiga suposta venda de registros sindicais dentro do Ministério do Trabalho.

Esse HC foi colocado na pauta do Plenário Virtual, mas como houve destaque do ministro Gilmar Mendes acabou sendo direcionado para a sessão presencial. E gerou intenso debate.

O quórum da sessão, no entanto, estava muito baixo, com três ministros ausentes (Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Edson Fachin). Para que a jurisprudência seja rediscutida, entenderam, todos os 11 deveriam estar presentes. O ministro Gilmar Mendes pediu vista e não há uma nova data prevista para o julgamento ser retomado.

“Essa perspectiva sobre a rediscussão da matéria pelo colegiado maior, afasta, portanto, a competência excepcional desta presidência para decidir casos como o presente”, afirmou Dias Toffoli, dias depois, ao decidir pela distribuição dos habeas corpus. “É salutar que os feitos dessa natureza sejam ordinariamente distribuídos aos membros da Corte para contribuir com a formação do convencimento na matéria.”

No entendimento do advogado Davi Tangerino, do escritório Davi Tangerino e Salo de Carvalho Advogados, “afastando o HC sobre HC, como propôs o ministro Alexandre de Moraes, a tese ficaria mais restritiva e haveria muito mais chances de emplacar”.

O entendimento atual é o de que se aplica a Súmula 606 a esses casos. A norma é do ano de 1984 e veda a apresentação de HC contra decisão das turmas ou do plenário. “Os ministros aplicam a súmula 606 por analogia para impedir habeas corpus contra decisão monocrática”, diz o advogado criminalista Antonio Pedro Melchior.

Ele é um dos críticos da atual jurisprudência da Corte. “Primeiro porque não é o que consta na Constituição e depois porque toda a restrição de HC de certa forma ofende o fundamento de um processo penal democrático.”

O advogado Pedro Machado de Almeida Castro, que atua no caso de Arantes, entende que a discussão tem de ser direcionada às ações originárias. Ou seja, aos atos que surgem no STF - como ocorreu com a prisão do seu cliente. “Não estamos falando dos casos em que é negada uma liminar de um HC vindo do STJ [Superior Tribunal de Justiça], por exemplo. Não é isso. É sobre o ato que surge no Supremo, porque não tem ninguém acima dele”, ele diz.