Valor Econômico, v. 20, n. 4843 24/09/2019. Especial, p. A12
 

Simplificação agrada, mas municípios não dispensam o ISS
  Raphael Di Cunto  
  Marta Watanabe 

 

Mesmo favoráveis à simplificação do sistema tributário, prefeituras de grandes e pequenas cidades devem resistir à unificação do Imposto sobre Serviços (ISS) em um tributo sobre consumo que reúna também o ICMS dos Estados e os federais PIS e Cofins. O receio é de que a unificação traga perda de receitas ou de autonomia.

A criação de um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) no modelo do IVA resultará no compartilhamento com a União e os Estados da base tributária do ISS. Parte da resistência das prefeituras tem como base o desempenho dos tributos sobre consumo. Dos cinco tributos que a PEC 45, que tramita na Câmara dos Deputados, propõe reunir em um IBS, por exemplo, o ISS é que mais tem crescido. De 2007 a 2018, a receita do ISS cresceu em média 4,3% reais ao ano. O ICMS subiu 2,5% ao ano e a tendência, segundo o economista Kleber Castro, é que essa dinâmica prossiga, caso mantido o sistema atual.

A tributação no destino com alíquota de referência única de 2% para os municípios, conforme estabelecida na PEC 45, também deve provocar uma redistribuição das receitas atualmente arrecadadas com o ISS, defende a prefeitura de São Paulo. Em nota, o secretário municipal da Fazenda da capital paulista, Philippe Duchateau, afirma que a prefeitura perde, ao fim da transição do IBS, o equivalente a 50% do que arrecada hoje com ISS, aproximadamente R$ 8 bilhões ao ano. “Não há crescimento econômico derivado da reforma que compense perdas tão grandes”, diz o secretário.

Para Duchateau, os princípios para aperfeiçoamento do sistema tributário podem ser aplicados em um IVA Federal e também ao ICMS e ao ISS, sem necessidade de fundir todos os tributos “e submeter administrações municipais a perdas tão expressivas”.

O secretário de Finanças de Manaus, Lourival Praia, considera o IVA o melhor caminho para o sistema tributário, mas aponta problemas, como a fórmula de divisão e a perda de autonomia. Ele lembra que Minas Gerais, um dos Estados mais ricos do país, já atrasou por alguns meses repasses obrigatórios para os municípios. O risco de atrasos com o IBS aterroriza os gestores municipais, diz ele. O secretário também critica a mudança no critério usado pelos Estados hoje para dividir parte do ICMS entre os municípios. Em vez do valor agregado no município - Manaus responde por 85% desse valor no Estado -, o critério passará a ser o de população. A capital concentra 50% dos moradores do Amazonas.

Há também desconfiança em relação aos benefícios da reforma. O secretário rebate duas teses dos defensores da reforma. “O fundo de equalização vai durar por dez anos. Depois disso, acaba. Então será um prazo para na verdade diminuirmos o número de escolas, de postos de saúde, para nos adequarmos a nova realidade, com orçamento menor”, afirma. “O crescimento do PIB com a aprovação ocorrerá, mas não de forma igual para todos. Norte e Nordeste vão crescer menos e não se sabe se compensarão as perdas”, diz.

A preocupação número um de Manaus, contudo, é manter os incentivos da Zona Franca, que serão extintos pela proposta que está na Câmara. “A receita do Amazonas é de R$ 18 bilhões anuais em razão do polo industrial. Os problemas logísticos do Norte, de distância dos grandes polos de consumo, são decisivos e as empresas não irão permanecer na região sem esses incentivos”, diz o secretário.

A perda de autonomia com o IBS unificado também preocupa municípios pequenos. Esse é um dos alvos de crítica do prefeito de Aracati (CE), Bismarck Maia (PTB). “O dinheiro vai para Brasília e será distribuído com base em percentual? Sou completamente contra”, afirma.

O prefeito de Aracati é pai do deputado federal Eduardo Bismarck (PDT), um dos que votarão a reforma. Além de influenciar aliados no Congresso, a posição dos prefeitos deve ter peso decisivo para um grupo de pelo menos 20 deputados ligados umbilicalmente com eles - são filhos, pais, mães, tios e primos de prefeitos atualmente no cargo. O número foi levantado pelo Valor com base em informações do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP).

Bismack Maia relata que sofreu um forte desgaste político com a atualização do IPTU e do ISS em sua própria cidade, de 75 mil habitantes. Os empresários da famosa praia de Canoa Quebrada se uniram contra as cobranças, e a saída foi colocar fiscais na região e ganhar o apoio da população, ao destinar 30% da receita adicional de R$ 1 milhão para programas de atenção aos mais pobres. Para ele, as cidades não terão estímulo a iniciativas assim se o dinheiro for direto para um fundo. A perda de autonomia não é só para arrecadar, ressalta, mas também de gestão.

“Hoje é dia 23 e não sei de quanto será a cota do FPM [Fundo de Participação dos Municípios] que receberemos no dia 30. As vezes sobe, as vezes desce, só ficamos sabendo na véspera. Como é que vou pagar salários e investir assim?”, questiona. Ele afirmou que não sabe se, com a PEC, haverá ganho ou perda de receita para a cidade, mas defende a mudança da cobrança dos impostos da origem para o destino, o que favoreceria Aracati.

Apesar de ser a favor da reforma, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) quer garantir uma fatia maior da arrecadação para as prefeituras. Em relação à PEC 45, Glademir Aroldi diz que são destinados hoje às prefeituras 22% do valor arrecadado com os cinco tributos que serão unificados no IBS. Para ele, é importante que a reforma garanta aos municípios uma fatia que vá além do equivalente a esse percentual. Atualmente, diz, as prefeituras detêm 19% da receita tributária total do país. As atribuições atuais, porém, demandam o equivalente a 24%.