Valor Econômico, v.20, n. 4926, 24/01/2020. Brasil p.A4
Guedes diz que equipe econômica prepara “imposto sobre pecado”
Daniel Rittner, Marta Watanabe e Edna Simão
O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou ontem em Davos que pediu à sua equipe estudos para a criação de um “imposto do pecado”. Ele mencionou cigarros, bebidas alcoólicas e produtos com adição de açúcar como alvos potenciais de um novo tributo.
“Eu pedi para simular tudo. Bens que fazem mal para a saúde. Caso [as pessoas] queiram fumar, têm hospital lá na frente”, disse o ministro, em conversa com jornalistas após seu último dia de compromissos no Fórum Econômico Mundial.
Guedes defendeu a inclusão de produtos como refrigerantes, sorvetes e chocolates na nova taxação. Ele usou o termo “imposto do pecado” para defendê-la, mas disse que a expressão é acadêmica [do inglês “sin tax”] e não tem juízo moral. “Não é nada de costumes, Deus me livre.”
De acordo com o ministro, a proposta do governo para a reforma tributária está próxima de uma conclusão e deve ser enviada em fevereiro. Ele acredita em um encaminhamento ao Congresso Nacional em 20 a 30 dias. “A gente volta para o Brasil e já começa a bater o martelo”, prometeu.
Guedes disse ter expectativa de que a reforma será aprovada ainda neste ano. “Para o [Rodrigo] Maia, que tem mais um ano de mandato [no comando da Câmara], é simbólico”, afirmou o ministro, que dorme hoje em Zurique e passa a sexta-feira em viagem de retorno para Brasília. Ele disse que tanto o presidente da Câmara quanto o do Senado, Davi Alcolumbre, prometeram ao governo criar uma comissão mista - com 15 deputados e 15 senadores - para acelerar a tramitação.
A Receita não comenta estimativas futuras em relação à arrecadação desses produtos, que se deve principalmente ao IPI. Em 2019, a arrecadação de IPI-Fumo somou R$ 5,406 bilhões (valor sem correção). Em 2018, esse valor foi de R$ 5,141 bilhões. Isso significa uma variação real de 1,33%. No caso das bebidas, a Receita arrecadou R$ 3,044 bilhões de IPI em 2019 ante R$ 2,510 bi em 2018. A variação real foi de 16,85%.
Representantes da Receita já vinham mencionando que o governo federal estuda a criação de um imposto seletivo sobre bebidas e cigarros. A novidade do “imposto do pecado” mencionado por Guedes é a inclusão de produtos com adição de açúcar nesse tributo. Para tributaristas, essa cobrança tem precedentes no mundo e deve ajudar a elevar arrecadação federal, mas abre espaço para novas disputas legislativas e judiciais.
O “sugar tax” é cobrado em alguns países da Europa e também nos Estados Unidos. Eduardo Fleury, sócio do FCR Law, exemplifica com Chicago, no Estados Unidos. Lá, diz, há tributação adicional de alguns produtos, como refrigerantes. A arrecadação seletiva é dividida entre o Estado e as prefeituras.
Certamente seria uma medida que alavancaria a arrecadação, com aumento considerável da base de tributação do novo imposto seletivo, diz Fleury. “Mas há duas questões importantes. Uma é a da regressividade, já que muitos desses produtos são consumidos pela população com renda mais baixa. Outra é a discussão sobre a definição dos produtos que sofrerão essa tributação adicional.”
De forma geral o imposto seletivo para desincentivar produtos com adição de açúcar é cobrado sobre um lista exaustiva, explica o tributarista. Ou seja, uma lista que não é meramente exemplificativa e que, por isso, não dá margem a interpretações extensivas. O que pode se definir, diz ele, são dosagens. “Por exemplo, pagam o imposto produtos com açúcar acima de determinado nível.”
Carolina Romanini, tributarista do Machado Associados, avalia que a melhor forma seria definir quais classificações fiscais estariam sujeitas à nova tributação. Certamente, afirma ele, essa definição resultará em discussão e lobbies de várias ramos de fabricantes de alimentos.
A proposta da criação de um imposto seletivo sobre bebidas, que já está sujeita a uma cobrança seletiva do IPI, por exemplo, já tem suscitado debates entre representantes de fabricantes de produtos diversos como cervejas, destilados e vinhos.
No caso dos produtos com adição de açúcar a polêmica pode ser maior ainda, diz Carolina. “Hoje já há um consenso sobre a externalidade negativa de bebidas alcoólicas, fumo e armas. Os produtos com açúcar estão entrando agora nesse grupo de produtos que devem ter o consumo desestimulado. É algo muito novo.” A tributarista lembra ainda que o açúcar em si integra a cesta básica e por isso tem tributação reduzida. Ela acredita que o açúcar continuará com esse tratamento, já que é um item necessário da alimentação e a ideia do imposto é desestimular o consumo excessivo.
Para Carolina, após definidas as classificações fiscais sujeitas ao “sugar tax”, provavelmente surgirão inúmeras discussões tributárias. Ela cita a disputa dos perfumes versus água de colônia, exemplo clássico de discussão sobre classificação fiscal. A alíquota menor de IPI cobrada sobre a água de colônia fez fabricantes defenderem mudança de classificação fiscal de produtos considerados como perfumes.
_______________________________________________________________________________________________________________________
Ministro vê Brasil ‘reconhecido’ no exterior
Para Guedes, reforma da Previdência e meta de privatização colaboraram para melhorar imagem do país
Daniel Rittner
Em um balanço de seus quatro dias de atividades no Fórum Econômico Mundial, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a elite política e empresarial reunida em Davos fez um “reconhecimento” do Brasil como nova fonte de crescimento para a economia global. Ele fez uma comparação com o ambiente visto na edição do ano passado e assegurou que a abordagem dos investidores com o país agora é outra.
“A descrença era tão grande, botaram a gente tão lá embaixo, que a expectativa era zero”, afirmou Guedes, antes de se despedir do fórum e iniciar a viagem de volta para Brasília. Segundo o ministro, a reforma da Previdência e o cumprimento da meta para privatização de ativos foram sinais bem recebidos. Para ele, na edição do ano passado, a imagem do Brasil ainda estava arranhada pela corrupção e havia preocupação com eventuais “excessos” do presidente Jair Bolsonaro.
“Não esperavam quase nada da gente e agora nos olham como fonte de crescimento”, observou Guedes, relatando conversas com autoridades do Fundo Monetário Internacional (FMI), que lhe falaram sobre a “desaceleração sincronizada” da economia mundial. “ A América Latina está estagnada. A Argentina está ferrada, a Venezuela está ferrada. Quando a gente olha para a América Latina, só o Brasil aparece.”
O ministro garantiu que nenhum investidor em Davos levantou com ele questões ambientais, mas ouviu elogios ao “bom funcionamento da democracia brasileira” e fez questão de “dividir a responsabilidade [pela recuperação econômica do país] com o presidente e com o Congresso”.
“O resultado disso é que as reformas estão avançando e o Brasil virou a nova fronteira de investimentos”, celebrou. Só Estados Unidos, China e Cingapura receberam mais investimentos estrangeiros diretos do que o Brasil em 2019. “Graças à aprovação das reformas, estamos virando a última fronteira de investimentos. E vamos fazer reformas até o último dia deste governo”, afirmou.
A partir das discussões em Davos, Guedes relatou ainda sua percepção de que “vão existir moedas regionais fortes” dominando o mundo daqui a 15 ou 20 anos. E aproveitou a abordagem do assunto para dizer que esclareceu, às autoridades americanas, que o Brasil não faz manipulação cambial.
O assunto foi lembrado por causa da ameaça feita pelo presidente Donald Trump de taxar as exportações brasileiras de aço e alumínio para os Estados Unidos. Isso ocorreu quando o dólar ultrapassou a barreira de R$ 4,20 no Brasil. “Vamos ter que nos acostumar com juros baixos e câmbio mais alto.”
Guedes contou ter conversado, por telefone, com os secretários americanos do Tesouro, Steve Mnuchin, e do Comércio, Wilbur Ross, para desfazer o mal entendido e evitar sobretaxa ao aço e ao alumínio. “Eu disse que estavam dando um tiro em algo errado, que nós fizemos tudo certo”, afirmou o ministro brasileiro. E o que eles responderam? “Pode deixar, nós vamos falar com o [Donald] Trump aqui”, concluiu.
____________________________________________________________________________________________________________________
País fica próximo de fundo dos EUA para defesa
Empresas brasileiras de defesa poderão ter acesso a verba para o desenvolvimento de produtos na vanguarda tecnológica do setor
Daniel Rittner
Após a designação do Brasil como aliado preferencial extra-Otan pelos EUA, os dois países tentam fechar acordo de cooperação militar que pode dar às empresas brasileiras de defesa acesso a um fundo americano de quase US$ 100 bilhões anuais para o desenvolvimento de produtos na vanguarda tecnológica do setor. O acordo, que está em reta final de negociação, é encarado por autoridades dos dois lados como um avanço inédito no relacionamento bilateral.
Poucos países fora da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) têm um acordo RDT&E - sigla em inglês para pesquisa, desenvolvimento, testes e avaliação - firmado com os Estados Unidos. É o caso de aliados importantes dos americanos em regiões com potencial conflito, como Israel e Coreia do Sul. Nem todos os europeus chegaram a esse tipo de parceria.
O fundo RDT&E teve US$ 96 bilhões no ano fiscal de 2019 e é o principal instrumento do Departamento de Defesa (DoD) dos Estados Unidos para manter a supremacia tecnológica na área militar. O governo Donald Trump tem buscado fortalecer esse fundo nos últimos anos como forma de fazer frente aos crescentes investimentos da Rússia e da China em equipamentos bélicos de ponta.
Centenas de projetos estão sendo desenvolvidos - cada um possui uma rubrica específica no orçamento do DoD - com esses recursos. Caças de quinta geração, novos armamentos hipersônicos, sistemas de defesa aérea, tecnologias de defesa submarina, mísseis balísticos e de cruzeiro fazem parte da lista.
Se o acordo bilateral for realmente fechado, empresas brasileiras poderão estabelecer parcerias com americanas para trabalhar no desenvolvimento compartilhado de um novo produto e tecnologia, bem como ter acesso ao fundo. Algumas áreas, como defesa cibernética, já são apontadas pelo governo brasileiro como candidatas a uma parceria mais aprofundada. Nos EUA, há interesse do Escritório de Pesquisas Navais (ONR) e do Comando de Desenvolvimento de Capacidade de Combate (Rdecom) em iniciativas conjuntas.
O Itamaraty e o Ministério de Defesa tratam diretamente do assunto e apostam na conclusão do acordo neste ano. Em nota, a embaixada americana em Brasília confirmou o estágio avançado das negociações. “Estamos ansiosos para concluir um acordo RDT&E com o Brasil e fazer bons progressos. O ‘timing’ da assinatura ainda não está determinado, mas o forte compromisso mútuo para alcançar o acordo reflete a nossa crescente relação bilateral em múltiplas frentes”, afirmou a embaixada.
Uma dos últimos pontos ainda em aberto, conforme o Valor apurou, é a necessidade ou não de ratificação legislativa. Os Estados Unidos queriam a entrada imediata em vigência, alegando que ele é um desdobramento de outro já implementado, o Acordo sobre Cooperação em Matéria de Defesa (DCA) - firmado em 2010 e ratificado em 2015 -, e do Acordo Mestre de Troca de Informações (MIEA). A consultoria jurídica do Itamaraty tem o entendimento de que esses dois tratados não dispensam a tramitação legislativa do RTD&E. O problema é que isso ainda pode levar vários anos depois da assinatura.
De acordo com fontes do governo brasileiro, o status de aliado extra-Otan não é um pré-requisito para evoluir no assunto, mas facilita a cooperação efetiva entre os dois países e a concretização de parcerias. A designação, que ocorreu durante visita do presidente Jair Bolsonaro a Washington em março do ano passado, representa uma espécie de “atestado de confiança” da Casa Branca para o desenvolvimento de projetos comuns.
A avaliação da diplomacia brasileira é que o novo acordo se tornará uma das grandes colheitas da aproximação entre Bolsonaro e Trump, que já resultou no tratado de salvaguardas tecnológicas para a exploração comercial da base de Alcântara e no apoio americano à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
______________________________________________________________________________________________________________________
Confiança de empresário é a maior desde 2010
Avanço reflete melhora no ambiente de negócios, segundo CNI
Mariana Ribeiro
Com um aumento de 1 ponto em relação a dezembro de 2019, o Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei), medido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), alcançou 65,3 pontos em janeiro. É o maior patamar desde junho de 2010.
O Icei, que vai de zero a 100, é composto pelos índices de Condições Atuais e de Expectativas. Dado acima de 50 mostra que os empresários estão confiantes.
Em janeiro, o índice que mede a percepção dos empresários sobre as condições atuais dos negócios e da economia subiu 0,9 ponto em relação ao mês anterior e ficou em 59 pontos. Já o que mede as expectativas subiu 1 ponto e alcançou 68,4 pontos.
“Os empresários estão mais otimistas porque percebem melhoras no ambiente de negócios. Os juros e a inflação estão menores e há um aumento da demanda e da produção. Desde o fim do ano passado, há uma melhora da atividade”, diz o economista da CNI Marcelo Azevedo, em nota.
Ele acrescenta que os empresários acreditam que o ambiente de negócios vai melhorar nos próximos seis meses. “Por isso, a confiança começa o ano em alta”, afirma, enfatizando que confiança elevada é necessária para aumento da produção, investimento e emprego.
No recorte regional, a confiança é maior entre os empresários do Sul, onde ficou em 67,2 pontos em janeiro. Em seguida, vêm a região Norte, com 65 pontos, e Nordeste, com 64,5 pontos. No Sudeste e no Centro-Oeste, o indicador ficou em 64,6 pontos. Além disso, diz a pesquisa, o otimismo é maior entre os empresários da indústria de transformação.