Valor Econômico, v.20, n. 4926, 24/01/2020. Opinião p.A15

 

Educação, pobreza e Bolsa Família
 

Elevar as chances de progresso e sucesso das crianças e jovens na escola poderia ser uma das chaves para romper o círculo vicioso da pobreza.

João Batista Araujo e Oliveira

A pobreza e os fatores de risco ao desenvolvimento infantil a ela associados contribuem para perpetuar desigualdades sociais. Nascer e crescer em meio a fatores de risco relacionados à pobreza compromete, de modo especial, as chances de acesso, progresso e sucesso dos alunos na escola. Mitigar os efeitos da pobreza constitui uma das mais vigorosas formas de promover a equidade na educação. Além de outras políticas públicas de reconhecido impacto, aprimoramentos no Bolsa Família poderiam contribuir para esse fim.

A literatura especializada apresenta inúmeros casos de fracasso e alguns casos de sucesso na “guerra contra a pobreza”. Esse termo cunhado por Lyndon Johnson para lançar o Economic Opportunity Act em 1964 foi forte para chamar a atenção, mas inadequado para gerar resultados eficazes, como já alertara Aaron Wildawsky ao avaliar o impacto das políticas americanas da década de 60.

 

Políticas voltadas para a redução da pobreza geralmente têm ou deveriam ter como meta a busca de uma saída dessa condição, tipicamente via emprego. Embora seja comprovadamente bem-sucedido em várias dimensões, o Bolsa Família dificilmente consegue - e dificilmente conseguirá, no curto e médio prazo - abrir a porta de saída para muitos dos seus beneficiários, dado o perfil de idade e de escolaridade desse grupo, de um lado, e as condições do mercado de trabalho, de outro.

Possivelmente, grande parte dos atuais beneficiários permanecerão como dependentes crônicos. A solução de longo prazo consistiria em abrir portas de saída para as próximas gerações. Elevar as chances de progresso e sucesso das crianças e jovens na escola poderia ser uma das chaves para romper o círculo vicioso da pobreza. Como alavancar o Bolsa Família para atingir esses objetivos?

Em uma reunião com um grupo de economistas, na qual discutíamos um recente relatório sobre políticas de pobreza nos Estados Unidos, lancei a seguinte provocação: o que seria preciso fazer para aumentar as chances de sucesso escolar da população mais carente, tipicamente os dependentes do Bolsa Família? Compartilho aqui algumas das reflexões decorrentes dessa conversa.

Há questões estruturais importantes, especialmente nas áreas de saneamento básico e habitação que estão longe de ser resolvidas. Mas fiquemos no âmbito do Bolsa Família, que goza de apoio político, continua sendo a bola da vez e sempre corre os riscos do populismo. Diversos estudos mostram aspectos positivos associados às condicionalidades do Bolsa Família, especialmente aquelas associadas à área de saúde (consultas de pré-natal e pediátricas), à redução do trabalho infantil e à área de educação (frequência escolar).

Estudos mostram efeitos na redução da mortalidade, morbidade infantil e insegurança alimentar devido em parte ao Bolsa Família e em parte às melhorias em políticas específicas. Mas ainda há problemas graves, tanto no controle efetivo das condicionalidades quanto em outras áreas, como a da nutrição e hábitos alimentares, uso de drogas, cuidados e desenvolvimento infantil, comportamento e desempenho escolar. E todas essas são variáveis que podem contribuir para melhorar o desempenho escolar das crianças.

Não faltam ideias com base na experiência nacional e internacional sobre novas condicionalidades e formas de incentivo atreladas ao Bolsa Família. Isso se aplicaria tanto a substituir algumas das atuais condicionalidades como para criar novos prêmios para o cumprimento de novas. Por exemplo, evitar a gravidez juvenil, melhorar a qualidade da alimentação e a saúde física e mental das futuras grávidas, abster-se de drogas, manter padrões ou atingir metas de peso das crianças e adultos, participar de programas comprovadamente eficazes de “parentalidade” administrados por entidades credenciadas, incentivar a frequência diária à escola, fazer deveres de casa, participar de programas de leitura, manter-se na série correta sem reprovação - e até mesmo atingir determinados níveis de desempenho em alfabetização ou na Prova Brasil. As possibilidades são imensas, e o potencial de ganhos para as futuras gerações também o são. Mas, além da questão dos recursos, há inúmeros desafios a superar.