Valor Econômico, v.20, n. 4926, 24/01/2020. Valor investe p.C8

 

SeLFIES pode ajudar país renovar previdência complementar
 

Brasil tem a chance de continuar seu histórico de inovação financeira e ser o primeiro país do mundo a emitir SeLFIES, criando um sistema de previdência complementar estado da arte e financiando a infraestrutura

Robert C. Merton

Arun S. Muralidhar

Alexandre Vitorino

No 2º Seminário Internacional de Previdência Complementar em Brasília, especialistas brasileiros e estrangeiros discutiram alguns dos desafios e oportunidades para a introdução de um sistema de previdência complementar em regime de capitalização no Brasil.

Internacionalmente esses sistemas têm lutado com custos elevados, poupanças insuficientes, investimentos inadequados, participantes com baixa educação financeira, cobertura restrita aos trabalhadores formais, falta de portabilidade e regulamentação ultrapassada, resultando em baixa renda de aposentadoria e inesperado declínio do padrão de vida dos aposentados.

Patrícia Linhares, citou um estudo da Mercer, em que 73% dos aposentados brasileiros consultados indicaram que o estilo de vida piorou quando comparado ao de pré-aposentadoria.

Entretanto, o governo brasileiro pode superar esses desafios criando um sistema complementar do tipo SUPER (Simples, Universal, Portátil, Eficiente com baixo custo e Regulamentação Robusta) com uma única inovação financeira. Chamamos essa inovação de SeLFIES (Standard of Living indexed, Forward-starting, Income-only Securities) - título indexados ao padrão de vida, somente com amortização e renda futura. O Brasil está em uma posição única globalmente para introduzir o SUPER sistema complementar e os SeLFIES, pela sua capacidade de criar inovações financeiras de sucesso como o Tesouro Direto e o mercado líquido e eficiente de títulos de longo prazo indexados ao IPCA.

A complexidade dos sistemas atuais de previdência complementar deixa algumas pessoas confusas sobre o quanto é uma poupança adequada, pois os extratos informam só a riqueza acumulada e não sobre o potencial padrão de vida, o que deveria estar facilmente relacionado. Para a fase de “desacumulação”, existe a expectativa de que as pessoas adquirirão anuidades. É quando a riqueza acumulada se transforma em renda, sendo já tarde para um ajuste em resposta a mudanças desfavoráveis nas taxas de juros, ou um valor acumulado insuficiente. Além disso, a maioria dos adultos não possui suficiente conhecimento de finanças ou dados para responder perguntas sobre juros compostos, efeitos da inflação ou benefícios da diversificação. Em contraste agudo, o cidadão médio não precisa de treinamento extra e instruções quando compra um novo celular (pois ele foi projetado para ser usado com base no que já se sabe); os mesmos elementos de design devem ser incorporados aos sistemas de previdência complementar e a qualquer novo instrumento financeiro a ser oferecido. Mundialmente os sistemas atuais de previdência complementar falham no teste de “telefone celular”.

Considere o seguinte design para o SeLFIES brasileiro: o título paga aos investidores após o ano de sua aposentadoria, 250 parcelas (somente amortização) de R$ 0,04 por mês, que são indexadas ao consumo per capita desde sua emissão. Os investidores receberão R$ 10 em “unidades de consumo” durante a vida do título.

As pessoas conhecem os principais aspectos necessários para tomar uma decisão consciente sobre quantos SeLFIES eles precisam adquirir para obter uma determinada renda de aposentadoria: seu ano previsto de aposentadoria e a renda para sustentar o padrão de vida. Imagine uma pessoa de 55 anos que tenha a meta de receber R$ 1.600 mensais para manter seu padrão de vida atual. Nos próximos dez anos, teria que comprar 40 mil SeLFIES (R$ 1.600 / R$ 0,04), que pagam parcelas a partir de janeiro de 2030 (ano em que completasse 65 anos de idade), até novembro de 2049.

O sistema poderá ser ao mesmo tempo “simples” e “universal” se o SeLFIES for o seu ativo padrão! Os extratos mensais apresentarão, de forma simples e transparente, o estilo de vida que os participantes poderão esperar no futuro, com base nas SeLFIES já adquiridas. Se essa pessoa possuir 30 mil SeLFIES, ela já alcançou 75% da meta ou R$ 1.200 ao mês. A simplicidade do design deste título permite o fácil monitoramento da meta de renda previdenciária complementar em qualquer momento antes da aposentaria.

O SeLFIES, sendo corrigido por um indicador de consumo per capita, oferece às pessoas uma maior probabilidade de manter o padrão de vida desejado na aposentadoria, se comparado a um título indexado à inflação. Esse é um ponto crítico, pois não se pode esperar que os aposentados baixem seu padrão de vida após a aposentadoria. O consumo per capita mede a inflação do consumo e as mudanças no padrão de vida de uma economia, capturando como o nível de consumo dos cidadãos realmente muda. Indexar o SeLFIES somente à inflação só funcionaria se não houvesse mudanças no padrão de vida geral da população, o que para os jovens brasileiros é uma suposição especialmente ruim, já que a aposentadoria acontecerá em 30 a 40 anos no futuro.

O SeLFIES cria um sistema “portável” se for seu ativo padrão. SeLFIES pode ser deixado aos herdeiros, que, por sua vez, podem vendê-los, ou receber as parcelas restantes. O SeLFIES não será subsidiado, sendo um instrumento puro de mercado, emitido e negociado como qualquer outro título público brasileiro. A adoção do sistema atual de emissão, incluindo o Tesouro Direto, assegura que ele seja um instrumento “eficiente”. As companhias de seguro poderão aceitar trocas de SeLFIES por instrumentos de renda vitalícia, diminuindo o risco de longevidade do aposentado que desejasse.

Os fluxos de caixa do SeLFIES são sinérgicos aos de um investimento em infraestrutura, que exige elevado capital inicial, receitas futuras recorrentes e indexadas à inflação. O SeLFIES, por estar indexado ao consumo per capita, oferece ao Brasil uma proteção natural de suas receitas de impostos federais e estaduais sobre vendas. Também permite alongar a dívida pública e aumentar sua base de investidores locais. Mais ainda, permite uma “regulamentação robusta”, baseada na volatilidade da renda de aposentadoria gerada.

O SeLFIES ajudará o brasileiro a complementar (não substituir) a pensão da Previdência Social, sendo um instrumento financeiro pronto para usar “ao tirar da caixa”. O Brasil tem a chance de continuar seu impressionante histórico de inovação financeira e ser o primeiro país do mundo a emitir SeLFIES, criando um sistema de previdência complementar estado da arte e financiando a infraestrutura. É uma solução de mercado sem subsídios cruzados ou regras opacas, pode ser criada imediatamente com baixo custo. Com o SeLFIES, o Brasil pode criar uma SUPER Previdência Complementar!