O Globo, n. 32670, 17/01/2023. Política, p. 4

'Massa antidemocrática'

Jussara Soares
Gabriel Sabóia


Nas primeiras denúncias apresentadas após os atos terroristas, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a condenação de 39 pessoas que invadiram o prédio do Senado Federal no dia 8 de janeiro. Elas são acusadas de cinco crimes, incluindo tentativa de golpe de Estado, associação criminosa armada e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Os nomes dos denunciados são mantidos sob sigilo.

A denúncia foi apresentada três dias depois o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), entregar ao procurador-geral da República, Augusto Aras, uma representação com a identificação dos 39 detidos pela Polícia Legislativa durante os ataques ao Congresso. Na ocasião, Pacheco cobrou agilidade do Ministério Público Federal em responsabilizar criminalmente os invasores.

As denúncias são assinadas pelo subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, coordenador do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos, criado na semana passada. Além da condenação, a PGR quer que o STF autorize o bloqueio de bens no valor de R$ 40 milhões para a reparação dos danos causados durante a invasão ao prédio público, tanto os materiais ao patrimônio público quanto os morais coletivos.

De acordo com relatório da Diretoria-Geral do Senado, o valor total dos danos que puderam ser estimados é de R$ 3,5 milhões, segundo levantamento feito no dia seguinte aos ataques. O custo real dos ataques que destruíram móveis históricos e obras de arte, porém, é tratado como “inestimável” pela perícia.

Além de golpe de estado, a denúncia pede que os invasores sejam condenados pelos crimes de associação criminosa armada; abolição violenta do Estado Democrático de Direito; dano qualificado pela violência e grave ameaça com emprego de substância inflamável contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima, e deterioração de patrimônio tombado.

O nome dos envolvidos nos ataques não foram divulgados. As denúncias foram protocoladas no âmbito do inquérito 4922, que está sob sigilo e tem como relator o ministro, Alexandre de Moraes, do STF.

A PGR também pediu que a Corte decrete a prisão preventiva dos envolvidos nos atos golpistas para impedir que pratiquem novos crimes violentos contra o Estado Democrático de Direito. A denúncia também pede que, nos casos em que forem pertinentes, os envolvidos sejam punidos com a perda dos cargos ou funções públicas.

Outro pedido é que o STF adote medidas cautelares para impedir que os denunciados deixam o país sem autorização, incluindo o nome dos radicais no Sistema de Tráfego Internacional da Polícia Federal. A PGR ainda solicita que as informações compartilhadas pelos acusados em suas redes sociais sejam preservadas.

Imagens das câmeras de segurança do Senado, obtidas pelo GLOBO, na última sexta-feira, mostram cenas explícitas de vandalismo e depredação do patrimônio público enquanto agentes tentam, sem sucesso, conter o terrorismo sem precedentes na história. Barras de metal, escudos, rojões, pedaços de paus, extintores de incêndio e mangueira de água foram as armas usadas por golpistas para iniciar a invasão ao Congresso e avançar sobre o efetivo limitado de policiais legislativos no último dia 8 de janeiro.

Na denúncia, o Ministério Público Federal (MPF) aponta que, após convocações que circulavam em aplicativos de mensagens e redes sociais, os golpistas se reuniram de forma armada, com o objetivo de praticar crimes contra o Estado Democrático de Direito. Segundo a peça, os denunciados agiram “contribuindo uns com os outros para a obra criminosa coletiva comum, tentaram, com emprego de violência e grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes Constitucionais”, diz.

“No interior do prédio sede do Congresso Nacional e insuflando a massa a avançar contra as sedes do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, os denunciados destruíram e concorreram para a destruição, inutilização e deterioração de patrimônio da União, fazendo-o com violência à pessoa e grave ameaça, emprego de substância inflamável e gerando prejuízo considerável para o erário", diz trecho da denúncia.

De acordo com o MPF, que o objetivo final dos ataques aos prédidos públicos era a instalação de um "regime de governo alternativo". “Os autores pretendiam impedir de forma contínua o exercício dos Poderes Constitucionais, o que implicaria a prática reiterada de delitos até que se pudesse consolidar o regime de exceção pretendido pela massa antidemocrática", cita a denúncia.

O Ministério Público dividiu as investigações em quatro núcleos: instigadores e autores intelectuais dos atos antidemocráticos, financiadores, autoridades de Estado responsáveis por omissão impróprias e executores. Os denunciados desta segunda-feira se encaixam neste último grupo.

Não houve acusação para terrorismo, porque, segundo o MPF, para configurar este tipo de crime, a lei exige que os atos sejam praticados “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”, o que não foi possível comprovar até o momento. "Não há, no entanto, impedimentos para que esse e outros crimes sejam imputados aos denunciados, caso surja comprovação das respectivas práticas", informou a PGR.