Título: Falta uma CPI
Autor: Sérgio Ferolla e Paulo Metri
Fonte: Jornal do Brasil, 05/10/2005, Outras Opiniões, p. A11

O montante em dinheiro desviado pelo ''valerioduto'' é de difícil avaliação, exceto para os próprios personagens diretamente envolvidos e identificados pelas CPIs, que não irão falar dessa questão. No entanto, podemos estimar, pelos valores citados na mídia, que seja de até US$ 1 bilhão. Entretanto, outra sangria de ordem de grandeza bem superior ocorre no nosso país, desde a primeira rodada de licitações de áreas para exploração de petróleo, em 1999, e poucos estão se dando conta. O secretário executivo do Ministério das Minas e Energia declarou, no ano passado, que ''o potencial de descoberta de petróleo nos blocos oferecidos na sexta rodada de licitações da Agência Nacional de Petróleo, chega a 3,3 bilhões de barris''. Com uma conta simples, tomando-se o barril de petróleo a US$ 60, chega-se a uma receita referente às descobertas da sexta rodada de US$ 198 bilhões, sem considerarmos que o barril ficará, no futuro, com toda certeza, acima dessa cotação.

O lucro do negócio, que corresponde à receita menos os investimentos, os custos de produção e as taxas e impostos, será pelo menos metade desse valor, em torno de US$ 100 bilhões. É fácil constatar que a atividade de produção de petróleo já gerava um lucro despropositado, mesmo na época do barril barato, e hoje, com o mercado sentindo a limitação física da produção mundial, fato gerador de uma explosão do preço do barril, o lucro para os produtores tem acompanhado essa explosão.

Em 10 de junho, o Jornal do Brasil publicou artigo de nossa autoria, em que mostrávamos os erros que foram cometidos nas rodadas anteriores de licitações de áreas, promovidas pela ANP e que, pelo visto, serão repetidos na sétima rodada, marcada para outubro próximo. Não vamos repetir aqui toda a argumentação anterior, mas lembramos que o Brasil cobra uma parcela pequena de impostos e taxas, quando comparada com as do resto do mundo. Além disso, as empresas estrangeiras estão comprando bens e serviços no país, na fase de investimentos, bem abaixo do que o parque supridor nacional pode fornecer, assim como os contratos de concessão não têm cláusulas que privilegiem o abastecimento do país com petróleo nacional e a preço moderado.

A ANP não faz uma análise isenta para a sociedade dos resultados da aplicação da Lei 9.478, de 1997, que criou as rodadas de licitações no país e, quando parece querer se explicar para a sociedade, o faz de forma truncada. Por exemplo, pode-se ler, no relatório da Agência do ano de 2002, que: ''O setor de petróleo e gás natural é, hoje, um dos que mais cresce no Brasil; em média, 20% ao ano, nos últimos cinco anos. Com isso, sua participação no PIB nacional saiu de 2,7%, em 1997, para quase 6%, em 2001''. Um leitor desatento irá pensar que as rodadas de licitações foram as responsáveis por esse feito, pois nada foi dito sobre o acréscimo de preço do barril de 1997 a 2001 e, alem disso, o aumento da produção física no período foi totalmente graças à atuação da Petrobras e em campos descobertos antes do término do monopólio estatal. Assim, o capital externo vindo através das rodadas de licitações, ainda não mostrou os tão decantados resultados positivos para nosso país, sem falar do fato dele acarretar a diminuição da garantia de abastecimento do nosso país a médio prazo, pois o suprimento de petróleo mundial está fortemente atrelado a aspectos geopolíticos e estratégicos.

Enfim, o montante de dinheiro que irá fluir, sem usufruto para a sociedade brasileira, devido a uma rodada de licitações realizada em um ano, é de uma grandeza 100 vezes maior do que o montante que fluiu pelo tal ''valerioduto'' em três anos, US$ 1 bilhão. Dessa forma e visando contribuir para que, no futuro, os trabalhos do Congresso não sejam paralisados, após a instalação de uma ''CPI da doação do petróleo nacional'', consideramos essencial suspender, de imediato, a próxima sétima rodada, que representa nova e perniciosa sangria ao patrimônio nacional. Nesse meio tempo, o Congresso poderá, numa patriótica retomada de consciência, debater e avaliar os resultados da incoerente Lei 9.478, de forma a estancar o fluxo de um duto criado para jorrar uma das nossas maiores riquezas em outros territórios para usufruto alheio.

Sérgio Xavier Ferolla, Tenente-Brigadeiro-do-Ar, é membro Acadêmico da Academia Nacional de Engenharia. Paulo Metri é Conselheiro do Clube de Engenharia.