Valor Econômico, v. 20, n. 4844 25/09/2019. Opinião, p. A12
 

Exploração de petróleo em Abrolhos, catástrofe evitável
 Guilherme Dutra
 Jaime  Gesisky


 

Rejeitos da barragem de Fundão, em Mariana (Minas Gerais), se deslocaram pelo rio Doce e atingiram parte do Banco dos Abrolhos, a 160 quilômetros de distância, no litoral da Bahia, conhecido como o maior banco de corais do Atlântico Sul. Resíduos de minério de ferro foram detectados pouco mais de sete meses depois da tragédia de Mariana por uma equipe  de cientistas, segundo estudo divulgado em agosto.

Um eventual vazamento de óleo na extração de petróleo na Bacia de Camamu-Almada poderá causar um estrago ainda maior em toda a extensão do banco de corais, estima relatório de impacto ambiental de perfuração na bacia, que tem quatro blocos lançados à licitação pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). O leilão das áreas está marcado para outubro. Corais também são barreiras naturais à ação do mar no Extremo Sul da Bahia, protegendo o litoral da erosão.

A diferença entre as duas catástrofes sobre um ecossistema tão raro quanto frágil, além do impacto na biodiversidade marinha, é que a segunda delas ainda pode ser evitada. Mantida a inclusão dos blocos de Camamu-Almada na 16ª Rodada de Licitações, cabe às empresas do setor evitar essas áreas no leilão, prezando por sua imagem e pela sua responsabilidade socioambiental.

Estudo publicado na revista acadêmica “Science of the Total Environment” é o primeiro e mais abrangente sobre o impacto da ruptura da barragem de minério de ferro de Fundão, ocorrida em novembro de 2015, no Banco dos Abrolhos e sobretudo no seu limite mais ao sul, a 80 quilômetros de distância da foz do Rio Doce. A presença de rejeitos na região foi detectada em junho de 2016. O estudo publicado agora conclui que, mesmo em baixa concentração, o rejeito de ferro pode induzir a proliferação de microorganismos tóxicos capazes de dizimar os corais. Por isso, os autores recomendam um programa de monitoramento de longo prazo nos recifes.

Ronaldo Francini-Filho, professor do departamento de Engenharia e Meio Ambiente da Universidade Federal da Paraíba e um dos autores do estudo, lembra que os corais já sofrem o impacto da maior onda de calor no meio marinho brasileiro em toda a história, impacto esse ampliado pela lama tóxica da tragédia de Mariana. A eles se somam impactos potenciais da exploração de óleo e gás.

O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) passou por cima de recomendação de seus próprios técnicos, que defendiam estudos mais aprofundados, e autorizou a inclusão de quatro blocos da bacia de Camamu-Almada, no litoral baiano, na 16ª Rodada de Licitações.

Documento assinado pelo diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo, Décio Oddone, e pelo presidente do Ibama, Eduardo Bim, reconhece o risco de derrames acidentais de óleo atingirem “em curto espaço de tempo importantes áreas com espécies endêmicas e ameaçadas”. Ainda assim, o negócio foi liberado. Os recifes de Royal-Charlotte, ao norte de Abrolhos, encontram-se a aproximadamente 130 quilômetros dos blocos a serem licitados. Uma distância menor do que a percorrida pelos rejeitos de minério de ferro da barragem de Fundão.

Relatório de impacto ambiental de perfuração realizada em junho de 2013 na bacia de Camamu-Almada prevê alto impacto de um eventual derramamento de óleo em toda a extensão do banco de corais. Os técnicos do Ibama defenderam que a oferta dos novos blocos deveria ser precedida de estudos ambientais de caráter estratégico. Camamu-Almada já produz gás  no campo de Manati.

O Complexo dos Abrolhos é reconhecidamente a área mais extensa e biologicamente mais rica de recifes coralinos no Oceano Atlântico Sul. Abrolhos também é conhecida como principal área de reprodução de baleias-jubarte nessa região do Oceano Atlântico.

A presença de poluentes, como os resíduos de minérios, e um eventual derramamento de petróleo agravam as pressões por que os corais de Abrolhos já vêm passando por conta do aquecimento global. Uma pesquisa em curso na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) já detectou a morte em larga escala de corais de fogo em pelo menos dois pontos da Região dos Abrolhos, Corumbau e Coroa Vermelha.

Raquel Peixoto, professora de Microbiologia da UFRJ e coordenadora da rede de pesquisa BMMO (Beneficial Microorganisms of Marine Organisms), envolvida na pesquisa em áreas da Região dos Abrolhos, ressalta que as mudanças climáticas provocam eventos de branqueamento, que podem levar a morte de corais, em períodos mais longos de anomalias climáticas. “Esse risco global existe, não se pode evitar, mesmo que as emissões de CO2 parassem imediatamente. Mas, quanto mais estresse local, com um eventual vazamento de petróleo, maior o risco, maior o impacto nessas comunidades”.

O branqueamento dos corais ocorre porque as algas, que vivem associadas a eles e são fonte de alimento, tornam-se tóxicas e são expelidas em meio ao aquecimento das águas. Esse problema torna-se irreversível quando a anomalia climática se prolonga. Foi o que aconteceu com corais de fogo na Região dos Abrolhos.

Como parte importante dos corais é endêmica, só existe naquela região, o processo de restauração como já vem sendo desenvolvido em outros países se complica. Os corais são fonte de alimento para parte da fauna marinha da região e também funcionam como barreira natural à ação do mar no Extremo Sul da Bahia, protegendo o litoral da erosão.

Uma biodiversidade tão rica e relevante não pode ficar vulnerável a uma nova catástrofe já anunciada.