Valor Econômico, v. 20, n. 4844 25/09/2019. Finanças, p. C1
 

Cenário externo ajuda a derrubar projeções de inflação do Copom
 Alex Ribeiro
 Estevão Taiar


 

Ventos favoráveis vindos do exterior vão ajudar a baixar a inflação nos próximos meses, propagando-se para 2020, ano que é o principal alvo da política de juros, informa o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central na ata de sua última reunião, divulgada ontem. O colegiado, porém, vê uma intensificação dos riscos no cenário internacional.

O documento detalha os fatores que levaram à forte queda das projeções oficiais de inflação do colegiado, divulgadas na semana passada, que alimentaram apostas dos analistas econômicos de que os juros básicos da economia poderão cair abaixo de 5% ao ano.

Na semana passada, o Copom divulgou três projeções de inflação - uma delas, que usava uma cotação do dólar mais baixa, indicava um espaço para cortes mais pronunciados de juros. Na ata divulgada ontem, porém, o colegiado se disse “agnóstico” sobre a cotação do dólar que usa em um dos cenários, numa sinalização de que não tem nenhuma preferência entre as projeções de inflação. Isso significa que o espaço para o corte de juros dependerá da evolução do dólar até a reunião de outubro e seguintes.

“As projeções de curto prazo indicam que a inflação acumulada em doze meses deve recuar nos próximos meses e retornar, ao final do ano, para níveis próximos aos observados até agosto”, afirma a ata do Copom.

Segundo o colegiado, essa queda esperada pode ser explicada principalmente pelo “comportamento benigno” de itens com preços mais voláteis e pela “dinâmica da inflação importada”. O documento diz que “vetores altistas” - uma provável referência à alta recente da cotação do dólar - “têm sido moderados pela trajetória de preços externos”, possivelmente a queda de cotações de commodities.

O Copom prevê um efeito prolongado dessa inflação favorável no curto prazo, ao afirmar que as suas próprias projeções para os índices de preços de 2020 “são impactadas pela propagação da inflação corrente mais baixa”.

O BC projeta inflação de 3,6% em 2020, abaixo da meta de 4%, em dois cenários. Num deles, assume como pressuposto uma taxa de câmbio estável nos R$ 4,05 e taxa de juros de 6% ao ano vigentes nos dias anteriores à sua reunião; em outro, pressupõe que os juros vão cair a 5% e a taxa de câmbio recuará para R$ 3,90 até o fim do ano, como preveem analistas de mercado. 

O colegiado divulgou uma terceira projeção - o chamado cenário híbrido -, que supõe a queda de juros prevista pelo mercado (para 5% ao ano) e taxa de câmbio estável em R$ 4,05.

Após a reunião do Copom da semana passada, que levou a Selic de 6% para 5,5%, e a divulgação dos cenários, instituições financeiras e consultorias passaram a apostar que a taxa básica de juros terminará 2019 abaixo de 5%. A mediana do Top 5 de curto prazo, formado pelas cinco casas com maior índice de acerto das projeções do Focus, aponta agora para Selic em 4,75% no fim do ano. Até a semana passada, a mediana estava em 5%.

A sinalização concreta do BC é que, em outubro, poderá fazer um corte adicional de 0,5 ponto percentual na taxa de juros. Mas o colegiado vem alertando que essa indicação não restringe o seu próximo passo de política monetária - e que poderá mudar de ideia, dependendo da evolução da atividade econômica, dos riscos no cenário, das projeções de inflação do BC e das expectativas do mercado.

Um outro sinal de cautela na ata é a avaliação do Copom de que “o risco de cenários adversos para ativos de risco parece ter se intensificado”. O Copom, em comunicado na semana passada, já havia traçado um quadro menos otimista para a conjuntura internacional. Antes considerado “benigno”, agora o cenário externo é descrito pelo colegiado como “relativamente favorável” para os emergentes.

“Por um lado, bancos centrais de diversas economias, incluindo algumas centrais, têm provido estímulos monetários adicionais, o que contribui para afrouxamento das condições financeiras globais”, afirma.

Entretanto, “riscos associados a uma desaceleração da economia global permanecem”. Na visão dos membros do Copom, “incertezas sobre políticas econômicas e de natureza geopolítica - notadamente as disputas comerciais e tensões geopolíticas - podem contribuir para um crescimento global ainda menor”.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vem afirmando em discursos recentes que os juros negativos levaram ao aumento dos investimentos de alto risco ao redor do mundo. Uma queda repentina da economia mundial, sustentou ele, poderia desencadear uma forte aversão a riscos no mercado internacional.

Apesar da maior incerteza no cenário internacional, o BC não colocou nenhuma assimetria no balanço de riscos. Isso significa que, por enquanto, esse ambiente internacional mais perigoso não está sendo um forte determinante das decisões de política monetária mais imediatas.

Já as condições financeiras, apesar de permanecerem em patamares favoráveis, foram objeto de “alguma volatilidade” desde a reunião anterior, causada por “movimentos nos mercados internacionais” e “impactos pontuais da crise na Argentina”.

Em relação à atividade econômica, o colegiado avalia que o crescimento no segundo trimestre foi “acima do esperado”. Para o terceiro trimestre, a estimativa é de “ligeiro crescimento”.

“Os trimestres seguintes devem apresentar alguma aceleração” da expansão econômica. A tendência é que esse movimento seja reforçado, principalmente nos últimos três meses do ano, pela liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS/Pasep.

“O cenário básico do Copom supõe que o ritmo de crescimento subjacente da economia, que exclui os efeitos de estímulos temporários, será gradual”, diz.