Valor Econômico, v. 20, n. 4845 26/09/2019. Política, p. A14
 

Excludente de ilicitude é rejeitado
  Raphael Di Cunto
  Marcelo Ribeiro
  Isadora Peron
  André Guilherme Vieira


 

O grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que analisa o projeto anticrime rejeitou ontem, por nove votos a cinco, a alteração proposta pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, de criar o excludente de ilicitude. A modificação sugerida pelo ministro permitiria que policiais tivessem a pena reduzida ou até extinta na hipótese de matar, em serviço,  em razão de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

O texto ainda pode ser retomado no plenário da Câmara, quando o projeto for votado. No entanto, a expectativa é que isso ainda demore a ocorrer. A presidente do grupo, deputada Margarete Coelho (PP-PI), afirmou que falta discutir e votar 30 dispositivos. O colegiado trabalha há 120 dias nos textos de Moro e na proposta elaborada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Ontem, o grupo de trabalho derrotou, valendo-se de votos que vieram do PT e do PSDB, uma das principais promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro. Atualmente a legislação já prevê que policiais não serão acusados de crime quando atuarem em estado de necessidade, em legítima defesa ou no cumprimento do dever. Mas a lei em vigor prevê que os agentes de polícia responderão criminalmente por eventuais excessos, sejam intencionais ou não. O governo propôs anistiar os excessos quando houvesse “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

O relator do projeto, deputado capitão Augusto Rosa (PL-SP), defendeu que esse instrumento já existe em outros países e que não autoriza uma “licença para matar”, apenas preserva os policiais de responderem a processo por situações de conflito.

“Estamos em uma guerra do bem contra o mal. Queiram ou não queiram, a polícia representa o bem”, disse.

Rosa protagonizou um bate-boca com o deputado Lafayette Andrada (PRB-MG), que defendeu que a previsão legal conferida pela atual legislação já é suficiente.

“É burrice de quem não conhece o Código [Penal]. A lei é boa, a interpretação é que não é. O promotor entende errado e acusa indevidamente”, protestou Andrada. “É esse promotor equivocado, esse juiz equivocado, que pode condenar injustamente. Me ajude a corrigir a legislação”, rebateu Rosa.

Como alternativa para não deixar os agentes de segurança desassistidos, o grupo de trabalho deve aprovar na próxima semana uma emenda que articulou para oferecer assistência jurídica, custeada pelos governos federal e estaduais, para policiais e militares investigados por mortes ocorridas em serviço. Esse instrumento já existe em alguns Estados, como Bahia e Maranhão.

Ontem, Moro voltou a defender a mudança no excludente de ilicitude dizendo que ela representaria “um salto em relação ao enfrentamento da criminalidade”, afirmou.

“É uma proposição que tem por base artigos iguais constantes do código penal alemão e do código penal português, então não tem nada de extravagante”, disse Moro ao deixar evento fechado promovido pela Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert).

O ministro também defendeu que o governo respeite a decisão do Congresso de derrubar, anteontem, 18 dos 33 vetos de Bolsonaro à Lei de Abuso de Autoridade, que endurece punições por abuso de autoridade a juízes, promotores e policiais.

“A decisão nossa era que os vetos eram importantes. O Congresso entendeu diferente e temos de respeitar”, afirmou.

O PSL de Bolsonaro, contudo, tomará medida contrária e informou que ajuizará uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo solicitando a suspensão da aplicação dos dispositivos que tiveram os vetos derrubados.

Um deles - entre o quais, por exemplo, o que dispõe sobre o magistrado que determinou prisão “em desconformidade com as hipóteses legais” ou negar a concessão de pedido em liminar ou habeas corpus “quando [for] manifestamente cabível”.