Título: Homenagem envolta em polêmica
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Fonte: Jornal do Brasil, 08/10/2005, Internacional, p. A8

A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e seu diretor, Mohamed ElBaradei, são os ganhadores deste ano do Prêmio Nobel da Paz, ''por seus esforços em impedir que a energia nuclear seja utilizada com fins militares'', justificou ontem o comitê.

- É uma grande responsabilidade para mim e minha equipe - afirmou ElBaradei, ao tomar conhecimento da premiação. - O prêmio significa continuar por este caminho e me dá forças para resolver as difíceis questões que temos pela frente.

A decisão em Oslo, entretanto, dividiu a comunidade internacional. Apesar dos elogios dos governos, algumas vozes criticaram o polêmico papel da agência na promoção da energia nuclear civil.

- A AIEA deveria ser dissolvida - reagiu a rede francesa Sair do Nuclear, formada por 720 associações. - Desempenha um papel de importância capital no processo que leva ao fim da humanidade.

- Há 20 anos a agência pratica desinformação sobre as conseqüências do desastre de Chernobyl - criticou o Criirad, um laboratório privado de controle de radiatividade.

A organização ecologista Greenpeace também classificou como ''problemática'' a escolha do Comitê Nobel e lamentou o ''duplo papel'' da AIEA: de vigilante e promotor nuclear. O tom foi o mesmo na Wise-Paris, uma associação de especialistas em radiatividade.

- É estranho que se contemple uma organização que não impediu que Israel e Paquistão se dotem de bomba atômica e que se revela incapaz de evitar os programas nucleares do Irã e da Coréia do Norte - censurou o diretor, Yves Marignac.

O Greenpeace acrescentou que não entende o motivo de se ter premiado ainda o homem que dirige a AIEA, mas reconheceu que ''na medida em que se opôs à invasão dos Estados Unidos ao Iraque e defendeu a idéia de um Oriente Médio desnuclearizado, ElBaradei representou, no período recente, uma voz de razão no mundo''.

Outro ex-favorito ao prêmio, o militante antinuclear japonês Senji Yamaguchi, de 75 anos, também condenou a escolha. Sobrevivente do bombardeio atômico lançado pelos EUA na Segunda Guerra contra Nagasaki, Yamaguchi considera que Washington ''se encontraria em uma situação muito delicada se a recompensa fosse para as vítimas dos ataques nucleares''.

Para outras pessoas, a Casa Branca já está desconfortável pelo fato de o Nobel ter premiado um crítico da guerra ao Iraque. Mas Ole Danbolt Mjoes, presidente do Comitê Nobel, sustenta que o prêmio ''não significa uma crítica ao governo americano, é um desafio dirigido a todos os chefes de Estado''.

A AIEA, órgão da ONU, desempenhou um papel destacado antes da intervenção militar no país árabe, em 2003. Após uma missão da Comissão de Monitoramento, Verificação e Inspeção da ONU, liderada pelo sueco Hans Blix, a organização declarou que o Iraque não tinha armas de destruição em massa, a principal razão alegada pelos EUA para ir à guerra. Hoje, a opinião é admitida como correta, mas na época foi impopular em Washington. Blix, que já não trabalha para a agência, classificou o Nobel para a AIEA como ''incrivelmente satisfatório''.

- É uma lembrança da urgente necessidade de se avançar na não-proliferação nuclear e no desarmamento, em um momento em que as armas de destruição em massa significam um grande perigo para nós - comemorou o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, vencedor do Nobel da Paz em 2001.

A Casa Branca também felicitou a AIEA e ElBaradei, ''com quem esperamos continuar trabalhando''.