Valor Econômico, v. 20, n. 4846 27/09/2019. Brasil, p. A4

 

PEC abre caminho para fim da disputa na cessão onerosa
 André Ramalho
 Rodrigo Polito
 Rodrigo Carro 


 

O Congresso promulgou, ontem, a PEC que altera o teto de gastos públicos e autoriza a União a pagar os US$ 9 bilhões devidos à Petrobras pela revisão do contrato da cessão onerosa. A medida abre caminho para garantir a realização do megaleilão dos excedentes, no dia 6 de novembro. A rodada interessa diretamente à Petrobras, que vive a expectativa de encerrar, enfim, cinco anos de negociação com a União sobre a revisão do contrato, mas é acompanhada de perto também pelas grandes petroleiras globais - que veem na licitação uma oportunidade única para comprar reservas volumosas no pré-sal - e por Estados, municípios e União, interessado

O leilão dos excedentes da cessão onerosa - volumes que ultrapassam os 5 bilhões de barris aos quais a Petrobras tem direito de produzir nas áreas de Búzios, Atapu, Itapu e Sépia, no pré-sal - envolve bônus de assinatura de R$ 106,5 bilhões. Os critérios para rateio do bolo estão em debate na Câmara.

Não é à toa que o assunto é alvo de disputas. Se todas as quatro áreas ofertadas forem negociadas, o leilão dos excedentes significará, para o caixa dos municípios em 2019, praticamente, um ano a mais de arrecadação de royalties e participações especiais com a produção de óleo e gás. De acordo com a proposta em discussão no Congresso, os municípios ficarão com R$ 10,95 bilhões - exatamente o mesmo valor que eles arrecadaram em 2018 com participações governamentais, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP). A versão atual do projeto estipula que, descontados os valores devidos à Petrobras, os municípios e Estados ficarão, cada um, com 15% da arrecadação do leilão.

Ontem, o secretário de Fazenda do Rio, Luiz Claudio de Carvalho, disse que o governo fluminense ainda não decidiu o destino dos possíveis recursos provenientes dos bônus. Segundo ele, essa receita extraordinária não consta do plano de recuperação fiscal do Estado. “Isso é uma medida extraordinária muito bem-vinda, é óbvio, para o Estado... Mas ela não compõe a nossa relação de medidas do plano de recuperação fiscal. Aliás, nem ela nem nenhuma outra medida extraordinária, justamente por conta do realismo, de termos certeza de que a medida pode se efetivar”, comentou.

O acordo do governo com o Congresso, para liberar o pagamento da União à Petrobras, enquanto segue o debate sobre o rateio dos bônus, é um passo importante para o leilão. A medida, contudo, não encerra a discussão sobre o assunto. O governo ainda aguarda o aval do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a rodada.

Para a Petrobras, as incertezas sobre a cessão onerosa não se esgotam com a rodada. Falta clareza, ainda, sobre quanto, como e quando a petroleira receberá a compensação financeira pelos investimentos já feitos nas áreas ofertadas. Pelas regras da rodada, as vencedoras da licitação deverão assinar um acordo de coparticipação com a Petrobras nos campos de Búzios, Atapu, Itapu e Sépia, no pré-sal, e pagar uma compensação à estatal - que também visa a compensar uma provável queda da geração de caixa da Petrobras, já que a entrada de sócios nos campos licitados mudará a sua curva de produção.

As diretrizes para cálculo dessa compensação estão definidas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Os valores finais, contudo, ainda não são conhecidos - o Santander estima que a estatal pode vir a receber até US$ 16,4 bilhões. A Petrobras e as suas futuras sócias na cessão onerosa terão até 2021 para fechar o acordo de coparticipação. As formas de pagamento da compensação (se em barris ou dinheiro, por exemplo) e a data efetiva do desembolso, no entanto, serão negociadas livremente entre as partes.

Sobre o pagamento da dívida da União com a companhia, o efeito sobre o caixa da empresa, em si, também é uma incógnita. A Petrobras receberá US$ 9 bilhões (cerca de R$ 36 bilhões), mas o valor deve ser consumido, em sua maior parte, na própria rodada dos excedentes, na aquisição de ativos pela estatal. A petroleira manifestou o direito de preferência de entrar como operadora das áreas de Búzios e Itapu. Se confirmada sua vitória, pelos percentuais mínimos de participação, de 30%, a Petrobras terá que desembolsar R$ 20,9 bilhões. A tendência, contudo, é que a Petrobras amplie sua fatia nos consórcios, para além dos percentuais mínimos. Nada impede também que a empresa entre, como sócia minoritária, nas demais áreas.

Para a consultoria IHS Markit, o acordo firmado entre o governo e o Congresso para viabilizar o leilão é positivo para o mercado e para a própria União, por garantir investimentos e arrecadação fiscal. Para Ricardo Bedregal, chefe de pesquisa e consultoria em exploração e produção da IHS na América Latina, a decisão de não prejudicar o cronograma  do leilão com a discussão sobre a distribuição dos bônus foi uma estratégia inteligente.

O especialista prevê a participação de poucas, mas de grandes empresas no leilão. “Vai ser um jogo para poucas empresas e consórcios”, afirmou Bedregal. Ele destacou que o leilão pode ser importante para as companhias agregarem reservas. E citou que, só o campo de Búzios possui mais reservas do que a Colômbia inteira. Nessa linha, a licitação pode ser uma oportunidade interessante para estatais asiáticas agregarem reservas. Por outro lado, o especialista chama atenção para o elevado valor de dispêndio previsto.

O diretor-geral da ANP, Décio Oddone, disse que o leilão dos excedentes está “pronto, do ponto de vista regulatório” e que a rodada representa uma “virada de página” na indústria petrolífera brasileira.

“É a última das grandes pendências do setor”, afirmou ele, ao mencionar o esforço para criar, nos últimos dois anos, um “ambiente mais saudável” no país, com a implementação de medidas como o calendário plurianual de leilões, o fim da operação única da Petrobras na partilha e a flexibilização da política de conteúdo local.

Oddone disse que o leilão dos excedentes será uma licitação das “grandes petroleiras”. “É um leilão de reservas. Portanto, têm um risco bem menor para as empresas, com volumes excedentes estimados de 6 bilhões a 15 bilhões de barris.”

A lista de inscritos ainda não é pública. O Valor apurou que, até a semana passada, ao menos 12 petroleiras monitoravam de perto o leilão: representantes da Petrobras, das chinesas CNOOC e CNODC, da britânica BP, da anglo-holandesa Shell, das americanas Chevron e ExxonMobil, além de Ecopetrol (Colômbia), Equinor (Noruega), Petrogal (Portugal), QPI (Qatar) e Total (França) estiveram presentes nas discussões sobre os detalhes jurídicos do edital do leilão. Isso não quer dizer que elas se inscreverão, mas dá um sinal sobre potenciais candidatos.