Título: Perigo nas mãos de leigos
Autor: Gustavo de Almeida
Fonte: Jornal do Brasil, 08/10/2005, Rio, p. A13

Desde 2002, pelo menos 1.700 mortes foram provocadas pelo uso de armas de fogo por civis no Estado do Rio de Janeiro. Esta é a principal conclusão do mais recente levantamento do Núcleo de Pesquisas sobre Criminalidade e Violência Urbana (Necvu) da UFRJ, encomendada pelo deputado estadual Carlos Minc (PT), presidente da Comissão Especial para Averiguar Cumprimento das Leis, da Alerj. O lado positivo do trabalho, coordenado pelo sociólogo Michel Misse, é que, segundo dados das delegacias legais do estado, entre 1995 e 2005 o número de armas apreendidas quadruplicou, enquanto o número de homicídios caiu 20%. O resultado da pesquisa, cujos números, devido à metodologia usada, saíram de uma amostra de 880 vítimas, será usado pela comissão que trabalha pelo voto Sim no referendo do dia 23 de outubro, quando eleitores de todo o país responderão à pergunta ''O comércio de armas e munições deve ser proibido no Brasil?''.

O sociólogo elogiou - ''a melhor fonte de dados do Brasil'' - e ao mesmo tempo criticou o sistema das delegacias legais, utilizado por sua equipe na pesquisa. Ausência de dados como a causa da morte de cadáveres encontrados na via pública acabaram diminuindo em muito a amostragem.

- Tivemos que tirar da pesquisa mais de seis mil casos de encontros de cadáver porque simplesmente não havia informações especificando se a morte era por arma de fogo ou não.

O trabalho foi pedido por Minc para verificar a eficácia das leis restritivas de desarmamento em âmbito federal e estadual que vêm sendo promulgadas desde 1996. A equipe do Necvu usou para sua amostragem números das delegacias legais de abril de 2002 até maio de 2005, apesar de o montante total ter sido o número de 32.340 casos de homicídio ou lesão por arma de fogo entre 1999 e 2005. Segundo explicou Misse, só a partir de 2002 os dados ganharam mais exatidão, já que não houve mais repetição de casos por causa da coexistência de delegacias convencionais e ''legais''.

Dos 32 mil casos entre 1999 e 2005 e registrados por todo tipo de delegacia, os pesquisadores ''filtraram'' apenas os casos registrados nas delegacias legais. Destes, os delitos produzidos por armas de fogo e, por fim, os delitos em que vítima e autor se conheciam.

- Este ponto levanta a questão da morte ligada a conflitos interpessoais. É um número grande de mortes que não têm relação com o crime organizado, que aconteceram porque a arma de fogo estava disponível, ao ao alcance. Não estamos falando de bandidos, e sim de vizinhos - disse Minc, que é coordenador da campanha nacional pelo voto Sim.

Ouvido ontem pelo Jornal do Brasil, o tenente Melquisedec Nascimento, um dos articuladores da campanha do voto Não no Rio, disse que respeita os números da pesquisa mas que acha precipitado tecer opiniões sobre o estudo. O oficial, que é presidente da Associação dos Militares Auxiliares e Especialistas, acredita que exatamente por causa da dificuldade em coleta de dados alegada pelos próprios sociólogos é que as conclusões devem ser mais estudadas.

- Se a fonte dos números é pouco precisa, não podemos tomar posição em relação ao resultado de uma pesquisa destas. Seria o mesmo que medir a inflação de acordo com os preços praticados pelos camelôs - disse o tenente, que reconhece a letalidade das armas nas mãos de civis sem o preparo para uso.

- O Estatuto do Desarmamento já é eficaz neste ponto, pois proíbe que pessoas não autorizadas andem com armas pelas ruas. Tenho certeza de que os pesquisadores irão constatar queda no número de armas apreendidas e no número de homicídios dolosos a partir de dezembro de 2003, quando o atual estatuto foi aprovado. A diferença que o que nós estamos votando agora não é o desarmamento, e sim a proibição da venda de armas para quem quer exercer o seu direito à vida, que inclui o direito à legítima defesa - disse o oficial.

De fato, os números recolhidos pelo Necvu revelam que as leis restritivas de armas fizeram bem às estatísticas. A partir de dezembro de 2003 houve queda nos homicídios dolosos e nos flagrantes de porte ilegal de arma. Mas quando se trata de apreensões realizadas pela PM, Misse vê uma influência direta.

- O aumento da apreensão de armas influenciou na queda do número de homicídios. O que queremos dizer é ''Menos arma, menos crimes'' - disse Michel Misse.