Valor Econômico, v. 20, n. 4846 27/09/2019. Política, p. A10 
 

Maioria do Supremo aprova tese que permite anular sentenças da Lava-Jato
 Luísa Martins 


 

Em um revés para a Operação Lava-Jato, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem, por sete votos a três, que delatados têm o direito de apresentar suas alegações finais depois dos delatores, quando ambos são réus em uma mesma ação penal - sob pena de violação ao direito de defesa. O resultado abre brecha para a anulação de diversas sentenças proferidas pelo ex-juiz Sergio Moro (hoje ministro da Justiça e Segurança Pública) no âmbito das investigações sobre o esquema de corrupção da Petrobras, mas os efeitos da decisão ainda serão discutidos na próxima semana.

A corrente majoritária foi formada pelos ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli. Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin (relator), Luís Roberto Barroso e Luiz Fux.

O plenário ainda vai discutir, a partir de quarta-feira, o impacto do julgamento nas condenações de primeiro grau que não respeitaram essa regra - caso das sentenças de Moro. O adiamento se deu por indicação da presidência da Corte, diante da ausência do ministro Marco Aurélio Mello na sessão. Toffoli considerou que os debates devem ocorrer com a com a composição completa da Corte, já que terão impacto em todo o sistema de Justiça do país.

O Supremo vai decidir, por exemplo, se só poderão ser anuladas sentenças proferidas em processos nos quais os advogados das partes prejudicadas tenham suscitado o problema ainda na primeira instância. Há pelo menos uma ação penal contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em que isso ocorreu. Outra situação semelhante ocorreu com o ex-ministro José Dirceu.

A defesa de Lula busca a liberdade do ex-presidente, preso em Curitiba por recebimento de propina da OAS, no caso do triplex no Guarujá (SP). Segundo os advogados, o petista apresentou seu memorial junto ao dono da empreiteira, Léo Pinheiro, que era corréu no processo. A controvérsia, porém, está no fato de que, à época, o empresário ainda não havia assinado acordo de delação com o Ministério Público.

Em 27 de agosto, a Segunda Turma da Corte suspendeu a condenação imposta pelo ex-juiz e atual ministro Sergio Moro ao ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras Aldemir Bendine. O colegiado entendeu que réus delatados devem enviar seus memoriais por último, pois têm o direito de se defender de todas as acusações que recaem contra si, inclusive as oriundas das alegações finais dos réus delatores.

Com base nesse precedente, diversos outros réus da Lava-Jato buscam o mesmo benefício. O caso analisado ontem foi o do ex-gerente da Petrobras Marcio Ferreira, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Seu advogado, Marcos Vidigal, afirmou que Moro “agiu muito bem” ao designar a ordem dos interrogatórios (primeiro os delatores, depois os delatados) - e que “deveria ter agido da mesma maneira” quanto ao envio dos memoriais.

A sentença de Ferreira foi anulada e a ação penal voltará à fase das alegações, que agora deverá ser cumprida aos moldes do que decidiu o Supremo.

“O réu colaborador tem posição processual específica, pois é acusado da prática de infrações penais, mas também imputa ilícitos aos demais corréus, buscando benefícios legais. Portanto, delatores e delatados estão em posição distinta. Se não houver diferenciação, há prejuízo à defesa”, votou Cármen Lúcia.

Decano da Corte, Celso disse que o direito ao contraditório não pode ser meramente retórico: “O contraditório não se satisfaz com a mera ciência dos atos processuais, mas com a possibilidade real de contrariá-los. Não havendo previsão específica no Código de Processo Penal (CPP), a lacuna deve ser suprida pelo princípio da ampla defesa.”

Vencido no julgamento, Barroso fez um forte discurso político. “Há risco de anular o esforço que se vem fazendo até aqui para enfrentar a corrupção, que não é fruto de pequenas fraquezas humanas, mas de mecanismos profissionais de arrecadação, desvio e distribuição de dinheiro público. Não há como o Brasil se tornar desenvolvido com os padrões de ética praticados aqui”, disse.

Segundo o ministro, as alegações finais, como se limitam à análise de provas já produzidas anteriormente, não poderiam surpreender o delatado. Assim, não haveria prejuízo à defesa. Assim como Fachin, observou não haver previsão legal para que um réu fale antes do outro - posicionamento alinhado ao da Procuradoria-Geral da República (PGR), representada pelo interino Alcides Martins.

A força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba demonstrou “imensa preocupação” com a decisão, que “poderá anular praticamente todas as condenações” e levar à prescrição de crimes e à libertação de réus presos. Moro vai aguardar as discussões da próxima semana antes de comentar.