Valor Econômico, v. 20, n. 4847 28/09/2019. Brasil, p. A4

 

Erro de projeção de gastos é dilema para política fiscal
Fabio Graner 


 

O erro gritante de projeção de gasto com pessoal evidencia um problema mais amplo para a política fiscal. A equipe econômica tem dificuldades de gerenciar os cada vez mais escassos recursos porque depende das estimativas e pedidos das diferentes áreas do governo, que frequentemente colocam uma “gordura” para terem margem de manobra. E os gestores da Economia não têm conforto de trabalhar com números próprios, mesmo quando enxergam que a projeção de determinada área está superestimada.

“Se eu errar para menos na estimativa de um gasto obrigatório e faltar dinheiro, por exemplo, terei um problema grave”, comenta uma fonte da área econômica. Embora o diagnóstico já tenha sido feito, ainda não há uma proposta de procedimento que diminua essas gorduras e erros nas estimativas das áreas finalísticas.

O problema vem se tornando mais premente diante da escassez de recursos, dado a fragilidade econômica e os limites impostos por teto de gastos e metas fiscais. Com o “cobertor curto”, uma gestão mais eficiente, evitando deixar recursos parados, é mais urgente.

O tema também está no radar e vem sendo acompanhado pela área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU). Neste ano, o órgão publicou acórdão em que recomenda “aos ministérios da Saúde, Educação, Justiça e Segurança Pública e da Defesa que acompanhem o cronograma mensal de pagamento das despesas primárias discricionárias das suas respectivas unidades gestoras e adotem os ajustes necessários à programação financeira estabelecida junto à Secretaria do Tesouro, de modo a assegurar a execução eficiente da despesa pública”.

Na prática é um recado para que os órgãos setoriais trabalhem melhor os requerimentos de recursos para a equipe econômica, pedindo valores mais próximos do que efetivamente têm condições de executar, evitando o “empoçamento”.

No último dia 20, o Ministério da Economia divulgou o relatório bimestral de receitas e despesas, no qual ficou constatado um erro de quase R$ 6 bilhões na estimativa de gastos com pessoal. A divulgação do número corrigido e a melhora na estimativa de receitas abriram espaço para liberação de orçamento em outras áreas.

Além disso, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, disse esperar que o resultado primário no fim do ano fique entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões melhor que a meta de R$ 139 bilhões de déficit do governo central. Ele atribuiu esse quadro, em grande medida, ao empoçamento de recursos nos ministérios, principalmente por conta da rigidez orçamentária e da dificuldade em executar algumas despesas. Ele argumentou que, por restrição legal e dos órgãos de controle, não pode liberar limite em outras áreas sem que a estimativa de gastos em outras seja reduzida.

Uma fonte da área econômica explica que, mesmo enxergando exageros ou erros em estimativas, é difícil para o ministério desconsiderar os dados das áreas setoriais e trabalhar com números próprios, liberando dinheiro para outras áreas. “Não há risco para o gestor se o erro de previsão é para cima, mas, se houver uma estimativa menor do que a necessidade, ele pode ser punido”, disse a fonte. “Imagina se faltar dinheiro para pagar Previdência ou salário porque o Ministério da Economia resolveu trabalhar com um número próprio e errar a estimativa?”

No caso de despesas discricionárias, o problema gera menos risco de punições em caso de subestimativa, ainda assim o procedimento comum dos órgãos setoriais é pedir mais recursos por questões administrativas, evitando riscos de paralisia de projetos.

Outra fonte do governo explica que a área econômica e o TCU estão discutindo para ver de que forma se poderia proceder para abrir e utilizar limites financeiros de despesas em outras áreas a partir da constatação de que a execução de determinadas despesas obrigatórias ficará abaixo do previsto.

O TCU não está fechado a esse debate, segundo outra fonte. Esse interlocutor reconhece a tendência prudencial das áreas de pedirem mais do que podem executar e, por isso, a corte tem buscado conversar com as áreas para que as estimativas reflitam melhor o cenário. “Tem que haver bom senso para avaliar o cenário”, comentou.