O Globo, n. 32675, 22/01/2023. Opinião, p. 2

BC autônomo é um teste político para Lula e o PT



As últimas declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva revelam que a relação com o Banco Central (BC) impõe um desafio ao governo petista. Em entrevista à GloboNews na semana passada, Lula atacou a autonomia do BC, criticou a meta de inflação e disse que, no seu governo, o presidente do BC tinha mais independência — um disparate. No dia seguinte, voltou a atacar o nível dos juros e a soltar despropósitos sobre a política monetária. “A gente poderia não ter nem juro, não é verdade?”, afirmou.

Mesmo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que tem dado declarações sensatas quando fala na necessidade de equilibrar as contas públicas, derrapou em entrevista ao GLOBO ao sugerir que deveria haver colaboração do BC para recuperar a atividade econômica. Reclamou dos juros altos e da “situação anômala”, com “inflação comparativamente baixa e taxa de juros real fora de propósito para uma economia que já vem desacelerando”. Nada disso tem cabimento, já que a missão do BC é tão somente controlar a inflação — e nem isso tem conseguido.

Como acontece toda vez que a meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) não é atingida, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, redigiu sua segunda carta aberta ao ministro da Fazenda explicando os motivos (a primeira foi dirigida ao então ministro Paulo Guedes em 2022). Os termos usados são técnicos, mas não é difícil entender o quadro traçado por Campos Neto. A economia já emite sinais de desaquecimento, mas mesmo juros altíssimos (de 13,75%) não bastaram para baixar a inflação para menos de 5%, o limite superior da meta (ela ficou em 5,79% no ano passado).

Na carta enviada a Haddad, Campos Neto aponta motivos conhecidos. “As pressões inflacionárias globais”, escreve, e “a elevada incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e estímulos fiscais adicionais” aconselham “serenidade na avaliação dos riscos” antes de decidir o que fazer com os juros. Traduzindo: os juros continuarão nas alturas até que o governo — leia-se Haddad — apresente regras fiscais confiáveis para substituir o desmoralizado teto de gastos, que manteve as despesas públicas sob controle desde o governo Temer até ser na prática revogado por uma sucessão de emendas constitucionais.

Ao se queixar dos juros, tanto Lula quanto Haddad desdenham a autonomia do BC e põem sobre a mesa ingredientes que podem causar um inútil e desgastante choque com a autoridade monetária. Cobrar do BC que ajude a criar postos de trabalho é esquecer que uma inflação fora do controle e uma política monetária desacreditada empurram qualquer economia para a recessão. Foi essa a fórmula que levou a presidente Dilma Rousseff à crise econômica e política que produziu seu impeachment.

No primeiro mandato de Lula, em 2003, Henrique Meirelles assumiu o Banco Central com carta branca do presidente para apertar a política monetária, enquanto, no Ministério da Fazenda, Antonio Palocci segurava os gastos. Não houve recessão, e a inflação caiu de 12,5% no primeiro ano do governo para 3,1% em 2006. Campos Neto tem ainda dois anos de mandato para fazer a inflação convergir para o centro das metas: 3,25% neste ano e 3% nos dois seguintes. Antes de falar sobre o assunto, Lula deveria lembrar quanto o cumprimento das metas inflacionárias ajudou em sua reeleição.