Valor Econômico, v. 20, n. 4847 28/09/2019. Brasil, p. A8
 

Raoni terá caminho árduo por Nobel da Paz em 2020
 Assis Moreira 

 

O líder indígena kaiapó Raoni tem chances na escolha para o Prêmio Nobel da Paz de 2020, em meio à inquietação global sobre a Amazônia, mas a concorrência é grande. Geralmente supera 300 candidatos por ano. E se o ganhador do Nobel da Paz de 2019, a ser anunciado em 10 de dezembro, for um ativista da ecologia, ficará mais difícil a atribuição do prêmio no ano que vem para a mesma causa.

Na Europa, a grande questão é se a ativista sueca Greta Thunberg, 16 anos, que mobiliza a juventude mundial pela proteção ambiental, ganhará ou não o Nobel deste ano. Fontes na Suécia dizem que ela foi indicada e tem boas chances.

Greta já venceu nesta semana o chamado Prêmio Nobel Alternativo, como é conhecido o “Right Livelihood Award”. Também foi premiado o chefe indígena Davi Kopenawa, do povo yanomami, juntamente com a Associação Hutukara Yanomami, ambos do Brasil. Dois ativistas do Saara Ocidental e da China foram os outros laureados. A causa de cada um vai receber 1 milhão de coroas suecas (R$ 426 mil).

Indagado se o prêmio para Kopenawa poderia ajudar Raoni a ganhar o Nobel da Paz em 2020, o diretor-executivo da Fundação Right Livelihood, Ole von Uexkull, respondeu que não queria especular sobre futuras decisões do comitê do Nobel, mas que saudava “todos os esforços que reconhecem o importante papel dos povos indígenas na proteção da Amazônia”.

A premiada autora sueca Ingrid Carlberg interrompeu por um momento, em Estocolmo, a preparação do evento de lançamento de seu novo livro, justamente sobre Alfred Nobel, o inventor da dinamite e que deu origem ao prêmio, para destacar em conversa telefônica com o Valor que a luta pela proteção ambiental faz parte do espírito do prêmio, e não apenas o combate a guerras, por exemplo.

Ela evitou comentar sobre Raoni, por não saber nada sobre sua candidatura. Mas observou que em 2007 o Nobel da Paz foi atribuído à Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) e ao ex-vice-presidente dos EUA Al Gore pelos esforços em disseminar conhecimento sobre as mudanças climáticas provocadas pelo homem. Em 1992, o prêmio foi atribuído à líder indígena guatemalteca Rigoberta Menchú Tum por seu trabalho “pelos direitos dos povos indígenas e reconciliação entre grupos étnicos”.

Parece indiscutível que o discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, na semana passada, quando atacou Raoni, ajuda a chamar a atenção internacional para a candidatura do líder kaiapó.

Toni Lotar, vice-presidente da Fundação Darcy Ribeiro, que tomou a iniciativa de promover a indicação de Raoni ao prêmio em 2020, diz que o discurso ajudou a divulgar a causa. “O momento [da indicação] é oportuno. Ele simboliza como nunca a causa da preservação ambiental”. Para Lotar, a mensagem do trabalho de mais de seis décadas de Raoni  ultrapassou a questão indígena e local e se tornou global. “Sempre defendeu o diálogo e levou uma mensagem de paz e de defesa do ambiente, que são aspirações globais”, diz.

Tamya Rebelo, doutora em relações internacionais pela USP e professora da disciplina na ESPM, diz que o contexto global é favorável à indicação. “Contexto é importante nesse tipo de prêmio.” Se a indicação ajudar a dar mais visibilidade às causas defendidas pelo líder indígena, um eventual impacto sobre a combalida imagem do Brasil no mundo é mais difícil definir, ainda mais que o governo Bolsonaro já demonstrou que não se pauta pelas globais. “Só o tempo dirá se haverá impacto na imagem, e, internamente, no andamento das políticas que envolvem as questões indígenas e ambientais no país.”

Raoni Metuktire nasceu em Mato Grosso. Estima-se que esteja próximo dos 90 anos. "É um líder simbólico, respeitado como um guerreiro kaiapó que sempre se manteve fiel às suas tradições e à defesa do ambiente", afirma Andre Villas-Bôas, secretário-executivo do Instituto Socioambiental (ISA), que tem grande experiência em trabalhos com povos indígenas, especialmente no Xingu. “Ele foi coerente ao longo da vida. Sempre teve o discurso de proteção do ambiente, da floresta, do modo de vida e da cultura indígena. Sempre foi contra o desmatamento. Esta coerência foi o que o alçou ao reconhecimento como personalidade internacional", diz o indigenista.

“Considerando o nível de ameaça que hoje recai sobre a Amazônia, o ambiente e os direitos dos povos indígenas, isso qualifica Raoni como uma pessoa que deveria ser destacada a receber o Nobel”, diz Villas-Bôas.

Candidatos, porém, não faltam. O recorde ocorreu com 376 indicações em 2016. Neste ano são 301 (223 individuais e 78 organizações), o quarto maior número desde 1901, quando começou a entrega do prêmio.

Para o Nobel da Paz do ano que vem, o prazo de apresentação de candidatos terminará em janeiro. Em fevereiro será feita uma lista curta, com 10% dos candidatos, por um comitê nomeado pelo Parlamento norueguês. Depois serão feitas investigações e enfim o prêmio será anunciado no fim do ano.

Uma porta-voz do Instituto Norueguês do Nobel da Paz, em Oslo, diz não ter “a menor ideia” das chances de indicados. O comitê não revela nomes de candidatos. Os que circulam são produto de “pura especulação” alimentada por pessoas que defendem determinados candidatos, de acordo com a porta-voz.

Mikael Östlund, da Fundação Nobel, em Estocolmo, acrescenta que as centenas de indicações anuais para qualquer prêmio Nobel são reveladas somente após 50 anos.