Título: Normas frouxas respaldam vale-tudo
Autor: Guilherme Queiroz
Fonte: Jornal do Brasil, 09/11/2004, Brasília, p. D5

Ilhas do Lago e Pier 21 são exemplos de que as normas não consideram os impactos dos projetos na orla do Lago Paranoá

O surgimento de projetos que não se imaginava que fossem implantados, tal como o empreendimento Ilhas do Lago, tem acendido o debate sobre a clareza das Normas de Edificação, Uso e Gabarito (NGBs) vigentes para a orla do Lago Paranoá. Para especialistas, tal como estão redigidas, as regras sobre a destinação dos terrenos abrem espaço para um ''vale-tudo'' urbanístico em toda a margem tombada do lago. E comprometem o que inicialmente se pensava para as margens do espelho d'água. A polêmica acerca do Ilhas do Lago ilustra a falta de clareza das normas. Dotado de apartamentos com até quatro quartos, o empreendimento tem sido acusado de ser uma superquadra à beira do lago travestida de hotel residência. Ao justificar a aprovação do projeto, consubstanciada na NGB 79/9, que prevê a atividade hoteleira, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) só foi encontrar embasamento nas normas da Embratur.

- Quando se concebeu o Projeto Orla, em 1996, faltou avaliar os possíveis impactos das normas que foram criadas. Agora, começam a aparecer o que chamamos de desconformes - avalia o presidente da seccional do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-DF), Otto Ribas.

Mais de uma dezena de diferentes normas de edificação são aplicadas, hoje, para os setores de Clubes Sul e Norte, na orla do Paranoá. Para descrever as atividades compatíveis com um clube, utilizam termos como ''lazer'', ''recreação'', ''cultura'' e ''esportivas''. Termos vagos o bastante para justificar a aprovação do Pier 21 que, na prática, cumpre as premissas. Trata-se, entretanto, de um shopping que extrapolou a altura máxima prevista no gabarito, sofre crônicos problemas de falta de vagas no estacionamento e até hoje funciona sem habite-se.

- Supunha-se que o próprio desenho urbano de Lúcio Costa resolveria eventuais problemas. Mas o tempo mostrou que é preciso um plano além do traços do Plano Piloto - analisa Ribas.

Para o presidente do extinto Instituto de Planejamento Territorial (IPDF) à época do Projeto Orla, Benny Schvasberg, a conceituação não deixou de levar em conta as normas urbanísticas vigentes no tombamento de Brasília, em 1992. Mas, apesar de ter sido pensado como um espaço onde se integrariam o espaço público com empreendimentos privados para dar sustentabilidade ao projeto - como hotéis e a construção de um shopping - o ''espírito incial'' foi desvirtuado.

- As normas por si só não são os fatores fundamentais para a caracterização ou a descaracterização de uma área. O problema é que os projetos são aprovados e acabam se maquiando de outra coisa - afirma Schvasberg.

Discussões recentes sobre a falta de clareza das normas urbanísticas da orla tem movimentado os próprios ocupantes das margens do Lago Paranoá. O presidente do Sindicato de Clubes de Lazer (Sinlazer), Claudionor Santos, aponta que as NGBs vigentes para o setor sofreram uma série de alterações que dão margem a projetos controversos. Ele afirma que irá hoje à Seduh para fazer um levantamento das normas vigentes para ver se há brechas para desvirtuar a destinação dos clubes.

- Precisamos estudar melhor essa questão, mas não há interesse que se altere os clubes para outras finalidades - conclui.