O Globo, n. 32677, 24/01/2023. Opinião, p. 2

É fundamental Lula desfazer qualquer crise com militares



A demissão do general Júlio César de Arruda do comando do Exército foi compreensível diante das notícias de quebra de confiança e de complacência com o golpismo na porta dos quartéis. Para além disso, embora seja necessário punir os participantes dos ataques do 8 de janeiro eventualmente ligados às Forças Armadas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa se esforçar por construir as melhores relações possíveis com os militares. Sobretudo, deve evitar provocar uma crise maior com atitudes que possam ser interpretadas como vingança.

Mesmo que necessária para impor a autoridade do comandante em chefe, a exoneração de Arruda com menos de um mês no cargo causa desgaste para todos. A nomeação para o comando do Exército do general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, cujas declarações de teor legalista o qualificam para o cargo, abre uma excelente oportunidade para contornar a ameaça de crise com os militares que ronda o Planalto desde a eleição.

Lula precisa agora ter a sabedoria de despolitizar as Forças Armadas sem criar atritos desnecessários. Não será fácil conquistar a confiança de corporações majoritariamente antipetistas. A substituição do comandante do Exército por si só não fará desaparecer as divergências. Não devem ser ignoradas a tensão que antecedeu a posse de Lula nem a tolerância com os acampamentos golpistas, onde foram tramados atos terroristas como a tentativa de ataque ao Aeroporto de Brasília e as conspirações que culminaram no 8 de janeiro. Mas não há dúvida de que, a exemplo do novo comandante do Exército, a maioria dos militares está comprometida com a legalidade.

Como quaisquer cidadãos brasileiros, eles têm pleno direito a suas posições políticas pessoais. Como integrantes de instituições de Estado, porém, precisam cumprir sua missão constitucional, independentemente do governante. Isso significa manter fora dos quartéis toda atividade político-partidária. Lula foi eleito para governar o país pelos próximos quatro anos. Profissionalismo é o que se espera dos militares. E é esse o compromisso que ficou explícito nas declarações do novo comandante do Exército.

É evidentemente do interesse das próprias Forças Armadas punir os poucos fardados que participaram dos atos golpistas, por meio de processos com pleno direito de defesa. O Ministério Público Militar já abriu seis investigações, que devem seguir adiante com toda a transparência. Há, neste momento, um alinhamento natural entre esse interesse das instituições militares e os do governo federal em investigar e punir os responsáveis pelo golpismo. Isso pode ajudar a desanuviar a tensão.

Ainda que o governo Jair Bolsonaro tenha frequentemente confundido os papéis que cabem a militares e civis num Estado Democrático, essa página precisa ser virada. As Forças Armadas não podem ser vistas como um foco de resistência a este ou àquele governo. Atos individuais precisam ser investigados e punidos. Mas não devem ser confundidos com a postura de uma instituição de que o país necessita e em que precisa confiar. É possível e necessário desfazer qualquer crise civil-militar. É hora de apaziguar os ânimos. Um desgaste mútuo nessa relação não beneficia o país, muito menos a democracia brasileira.