O Globo, n. 32679, 26/01/2023. Opinião, p. 3

Holocausto nunca mais!

Claudio Lottenberg


Não são poucos os indícios de que os discursos de ódio precedem momentos trágicos na História da humanidade. O Holocausto representa o ápice desse cenário, em que milhões sucumbiram como uma resposta ao silêncio manifesto de uma sociedade.

De tempos em tempos, temos uma luta semelhante sobre a democracia, por isso devemos nos preocupar com nosso sistema de governança.

Ironicamente, a tolerância de múltiplas visões, mesmo as antidemocráticas, permite que a democracia seja ameaçada. À medida que as crenças antidemocráticas criam raízes, elas podem se espalhar como uma pandemia. E, como as pandemias, as crenças antidemocráticas se naturalizam no território da democracia.

Quando não controladas, essas crenças antidemocráticas matarão o hospedeiro (nossa nação) que as nutre. É nosso dever e desafio, como cidadãos, eliminar as tendências tirânicas, e autoritárias, em nós mesmos e nos outros.

Este é nosso terreno comum — onde nos comprometemos com os valores da democracia e nos tornamos tolerantes com outros pontos de vista.

Ao escolher a democracia, devemos mostrar tolerância com ideias de que discordamos. A opção pela intolerância abandona nossos valores democráticos e abre espaço aos verdadeiros inimigos de nossa Constituição. Devemos argumentar, debater e deliberar de boa-fé. E estar dispostos a ouvir, a aprender e a mudar de ideia.

O importante é a sobrevivência de nossos valores democráticos, conforme detalhado em nossa Constituição. Estamos num processo de reimaginar como esses valores serão incorporados nos próximos cem anos. Precisamos ajudar uns aos outros enquanto trabalhamos com as questões difíceis que esse processo levanta.

Precisamos estar de braços dados para defender os ideais e valores da democracia e enfrentar nosso verdadeiro inimigo comum: a intolerância.

Muitas vezes nos permitimos fechar os olhos e permanecer indiferentes às incidências de preconceito e violência com base em religião, raça, etnia, nacionalidade ou status de imigração. Essa tendência deve ser revertida para evitar que a história se repita.

Nossa comunidade expressa hoje, véspera do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, seu repúdio, em nome de milhões de almas judaicas e não judaicas, seu sentimento de pesar, mas também sua preocupação com a ameaça da intolerância e do discurso de ódio. Não podemos imaginar que as liberdades individuais sejam subtraídas em pleno século XXI.

O Holocausto é uma mancha incomparável na História da humanidade. Não pode e não será banalizado, com comparações frequentes e infundadas. Não podemos permitir que recrudesçam movimentos como o nazismo, que fez das diferenças um instrumento de alimento mortífero acentuando um sentimento responsável pelo extermínio de judeus, homossexuais, negros, romanis, deficientes, entre outros. Não há como comparar o incomparável, e trazer esse cenário para os dias de hoje significa manter vivo nosso compromisso de respeito à diversidade, nosso propósito de defesa da democracia e nosso respeito às almas que, em nome dessa defesa, sucumbiram — o que não pode ter sido em vão. Holocausto nunca mais!

*Claudio Lottenberg é presidente da Confederação Israelita do Brasil