Valor Econômico, v. 20, n. 4896, 07/12/2019. Brasil, p. A2
 

Fundo norueguês de US$ 1 tri pode servir de inspiração para o Brasil
Rodrigo Polito 

 

O Government Pension Fund Global, fundo soberano norueguês, que retirou na semana passada a Petrobras da lista de empresas em observação, devido ao menor risco de corrupção, não é referência apenas em conformidade e sustentabilidade. O fundo, que ultrapassou este ano a marca de 10 trilhões de coroas norueguesas (cerca de US$ 1,09 trilhão ou R$ 4,576 trilhões) de valor de mercado, é conhecido também pela sua riqueza. O segredo do sucesso é simples: economizar. Apenas parte do rendimento do fundo é utilizada, mantendo a reserva intacta.

Criado em 1990, com o objetivo de ser uma forma de gestão de longo prazo da receita petrolífera da Noruega, após as descobertas no Mar do Norte, o fundo soberano recebeu os primeiros aportes seis anos depois. E, em dezembro deste ano, soma um valor de mercado de 10,150 trilhões de coroas norueguesas (US$ 1,11 trilhão ou R$ 4,675 trilhões).

A partir de 1998, o banco central norueguês foi destacado para fazer a gestão do fundo. De lá para cá, a iniciativa gera um retorno anual de 5,9% ou 4,9 bilhões de coroas norueguesas (R$ 2,25 bilhões). E o governo norueguês gasta apenas o retorno real do fundo, de cerca de 3% ao ano. “Dessa maneira, a receita do petróleo é gradualmente incorporada à economia. Ao mesmo tempo, apenas o retorno é gasto, e não o capital do fundo”, afirma o fundo soberano.

Os investimentos estão distribuídos em 73 países, basicamente em três áreas: participações acionárias em 9.158 empresas, títulos de dívidas e imóveis.

No Brasil, o fundo investe US$ 6,2 bilhões em 120 empresas e US$ 2,8 bilhões em títulos de dívida. A companhia brasileira que tem o maior investimento do fundo é a Vale, com US$ 766,1 milhões (correspondente a 1,1% da companhia), seguida por Petrobras (US$ 659 milhões, ou 0,83% da empresa) e Bradesco (US$ 637 milhões, com 0,97% do banco), de acordo com dados de 2018.

O fundo pode servir de inspiração para o governo brasileiro, assim como administrações estaduais e municipais do país, dado à perspectiva de que o Brasil vai se tornar um importante ator no mercado global de petróleo no fim da próxima década. “Em 2029, o Brasil exportará 3,5 milhões de barris diários de petróleo, isto é, 64% do total produzido no país. Esse volume expressivo elevará o Brasil para a condição de um dos principais players de exportação de petróleo do mundo”, afirma a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), na versão preliminar do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2029, em consulta pública pelo Ministério de Minas e Energia.

Helder Queiroz, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e professor do Grupo de Economia da Energia (GEE) da UFRJ, lembra, porém, que o histórico do uso de recursos de royalties no Brasil, em geral, não é positivo. Segundo ele, é importante que as administrações sejam disciplinadas com relação à gestão e ao uso da renda petrolífera.

Dois exemplos interessantes, mostrados pelo Valor em abril, são os municípios de Niterói e Maricá (ambos no Rio), que possuem poupança oriunda de recursos petrolíferos da ordem de R$ 100 milhões cada um. O Fundo de Equalização de Receita de Niterói recebe, por lei, 10% de cada repasse das participações especiais. A previsão é chegar a R$ 2,5 bilhões em depósito até 2040. Já Maricá deposita, mensalmente, entre 1% e 5% da arrecadação de royalties e espera poupar R$ 1,8 bilhão em dez anos.

Outra alternativa, segundo o diretor-geral da ANP, Décio Oddone, é utilizar os recursos para a formação de um colchão para evitar o impacto da volatilidade dos preços internacionais dos combustíveis no mercado doméstico. “O aumento das exportações vai permitir que a arrecadação no Brasil suba de tal forma que o governo vai ter recursos para, se se quiser, mitigar os aumentos de preços de diesel e na gasolina e isolar um pouco a economia dos efeitos da flutuação dos preços de petróleo”, disse, em evento em novembro.

Roger Tissot, economista, analista de energia e consultor, reconhece o êxito do fundo norueguês, mas questiona a viabilidade dessa iniciativa em outros países, principalmente nas economias em desenvolvimento, como o Brasil.

“Um problema, particularmente em países com baixo nível de desenvolvimento, é se seria ‘justo’, ou até viável, uma política de retenção de receitas, quando há muitas necessidades de investimento em infraestrutura no país, como construção de rodovias, redução da malária e viabilização do acesso à energia elétrica e água potável.”

Segundo Tissot, há ainda problemas de ordem política, como a falta de habilidade de alguns governos em como fazer uso desses recursos. Ele explica que o surgimento de um excedente de renda repentino permite ao governo aumentar o consumo interno, via subsídios, por exemplo, tornando-o muito popular, mas ineficiente. Um exemplo clássico é o caso venezuelano.

“Acho que ter um fundo como o da Noruega é uma boa ideia, mas deve refletir as realidades e características do país. No Brasil, por exemplo, um uso seria para impulsionar a industrialização em outros setores. Os recursos também poderiam ser usados para reduzir as disparidades de renda do Norte para o Sul. Eu também usaria o recurso para melhorar a ainda pequena capacidade de pesquisa e desenvolvimento do país, considerando seu tamanho e importância econômica.”