Valor Econômico, v. 20, n. 4896, 07/12/2019. Empresas, p. B2
 

É preciso parar de falar sobre ecossistema no mundo corporativo
Andrew Hill

 

Nos últimos anos, o avanço da teoria da administração foi mais motivado por evoluções do que por revoluções. Todos deveríamos ser gratos a isso, porque há um limite para as ondas e modismos que executivos esforçados são capazes de suportar a cada trimestre.

“Temos que superar a crença de que alguma nova grande ideia vai surgir e mudar tudo”, disse Julian Birkinshaw, da London Business School, na sessão de encerramento do Fórum Global Peter Drucker, em Viena. Em vez da teoria, prosseguiu o professor Birkinshaw, o que vem mudando é a prática da administração - o que, por sinal, também é o título de um dos trabalhos mais conhecidos de Drucker.

O problema com o vácuo na teoria é que aspirantes a teóricos não precisam de muito incentivo para se apressarem a querer preenchê-lo. Neste ano, o imponente título do fórum, “O Poder dos Ecossistemas”, foi uma tentação para participantes normalmente comedidos. Como resultado, a palavra, de tanto ser usada, foi sugada de qualquer significado, e no fim da conferência eu me vi começando a remover o prefixo “eco” em minha mente para manter a sanidade. Há sementes de ideias úteis boiando em algum lugar no fundo do pântano de metáforas ambíguas.

Sem dúvida, líderes de empresas precisam operar em um mundo de “redes de empreendimentos novos, flexíveis e adaptáveis, buscando conjuntamente propósitos ambiciosos”, como diz a introdução do fórum deste ano. Como o sistema tecnológico ideal descrito por Vint Cerf, do Google, um dos pioneiros da internet, as melhores redes são combinações de  “estabilidade, interoperabilidade e adaptabilidade para mudar”.

A escritora e professora Amy Webb destacou que as metáforas podem ser uma forma útil para pensar sobre conceitos complicados. “[O problema é que] temos a propensão a falar sobre as coisas em camadas de abstração”.

De fato, Drucker costumava descrever-se como um “ecologista social”, que estudava organizações feitas pelo homem da mesma forma que um ecologista natural estuda o ambiente biológico.

O escritor de livros de administração nascido na Áustria, porém, sabia usar “o idioma como uma espada bem afiada”, disse Anika Marie Kennaugh, na sessão em que os jovens finalistas da competição anual de ensaios do fórum defendiam novas ideias. Hoje, por outro lado, “nosso arsenal de palavras”, decididamente, ficou sem fio, segundo Kennaugh.

Contribuições para um blog prévio à conferência sustentavam, entre outras afirmações, que os ecossistemas podem ser uma solução mágica, que precisam ter cadeias de valor - ou possivelmente até fazer parte de uma -, que devem ser “alavancados” para “maximizar o valor e obter vantagens competitivas” ou que devem ser “povoados com novos clientes que possam ser abordados”. “Se você orquestrar isso e atrelar o ecossistema a uma plataforma, você realmente vai estar resolvendo o problema do cliente holisticamente”, animou-se um conferencista.

Toda essa confusão é preocupante e não apenas porque metáforas ambíguas confundem os objetivos administrativos. Elas, rapidamente, também fazem os teóricos da administração e até alguns poucos praticantes ficarem atolados.

Esse tipo de conversa também é um presente para consultores à espreita de novas oportunidades para explicar sua versão dos ecossistemas a chefes de empresas e de conselhos de administração desnorteados. Axelle Lemaire, o ex-ministro francês que hoje é sócio da Roland Berger, declarou alegremente que metade de todos os candidatos em busca de vagas na firma de consultoria menciona “o modelo ecossistema” em suas cartas de solicitação de emprego.

A areia movediça do ecossistema suga a atenção e a desvia da importante questão de como as pessoas poderiam se encaixar nos negócios, da mesma forma que a obsessão com a administração “matrix” - uma forma de estruturação das multinacionais - ocupou o tempo dos chefes de empresas nos anos 90.

Ao longo dos anos, a preocupação do Fórum Drucker com o lado humano da administração moderna rendeu as mais ricas revelações. O tema da conferência em 2018 foi “Administração - A Dimensão Humana” e o fórum 2017 foi concluído pelo pensador Charles Handy, que fez um ataque fulminante contra a empresa digitalizada como “uma prisão para a alma humana”.

Neste ano, as discussões mais envolventes e úteis sobre sistemas interconectados se basearam nas pessoas no cerne desses sistemas. Entusiasmei- me quando um palestrante começou a falar sobre como a BASF ajudou criadores de camarão ao coordenar os diferentes participantes da cadeia de abastecimento desse mercado ou quando Rick Goings, presidente emérito do conselho de administração da Tupperware, recordou o público sobre as milhões de mulheres que compõem a força de vendas interligada do grupo. Uma estratégia cuja expansão a Tupperware tem se empenhado em defender.

O jargão te distrai dos problemas reais e, por isso, sua disseminação não é apenas um problema cômico de linguajar administrativo que fugiu do controle.

Há outro motivo fundamental pelo qual o “ecossistema” é um jargão dos negócios que não ajuda em nada. Vivemos em um sistema natural que, de forma muito óbvia, foi desequilibrado por mudanças provocadas pelo homem. Um verdadeiro ecossistema não pode ser “projetado”, “construído” nem, muito menos, “liderado”. Todos sabemos, porém, que pode ser facilmente destruído.