Valor Econômico, v. 20, n. 4896, 07/12/2019. Opinião, p. A16
 

IDH, onde estamos e para onde queremos ir?
Katyna Argueta


 

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) no Brasil lança hoje seu 26º Relatório de Desenvolvimento Humano, documento que apresenta informações sobre o estágio atual de desenvolvimento humano em 189 países. O lançamento acontece simultaneamente em diferentes regiões e países do mundo, muitas delas sob cenários de protestos sociais e acentuadas crises políticas.

Hoje, mais do que nunca, o debate sobre democracia e desigualdade está presente na agenda pública mundial. Para entender as causas das profundas frustrações das sociedades modernas, é necessário antes compreender a desigualdade além da renda medida pelo coeficiente de Gini.

Com esse espírito, o Pnud traz no RDH 2019 novas abordagens para o desenvolvimento. O tema do relatório deste ano, “Além da Renda, Além das Médias, Além do Hoje: Desigualdades do Desenvolvimento Humano no Século XXI”, argumenta que o mundo, em rápida e constante mudança, estará sujeito a novas formas de desigualdade. As formas já existentes atuarão simultaneamente com as novas, impactando sobre forças sociais, econômicas e ambientais, determinando outros parâmetros de desigualdade na vida das pessoas.

Sabemos que, mesmo com ganhos substanciais em saúde, educação e padrões de vida - dimensões que medem o Índice de Desenvolvimento Humano -, as necessidades básicas de muitas pessoas, em muitos países, permanecem não atendidas. Paralelamente, uma próxima geração de desigualdades se abre.

Enquanto as desigualdades nas capacidades básicas - relacionadas às privações mais extremas - estão diminuindo, em alguns casos de maneira acentuada, como as desigualdades globais na expectativa de vida ao nascer; aumentam as desigualdades referentes às capacidades avançadas, as quais se refletem nos aspectos da vida que provavelmente se tornarão  mais importantes no futuro, pois deverão empoderar pessoas e grupos de países. Necessidades básicas de muitas pessoas não são atendidas, enquanto uma próxima geração de desigualdades se abre.

O RDH 2019 traz preocupações com duas mudanças-chave para este século: a mudança global do clima e as transformações tecnológicas. Os desafios da mudança do clima atingem a todas e todos, mas especialmente as pessoas mais pobres; enquanto os avanços tecnológicos podem deixar para trás grupos inteiros de pessoas e países. Sob a sombra dos desafios do clima e das amplas mudanças tecnológicas, as desigualdades no desenvolvimento humano estão assumindo novas formas.

Há evidências de disparidades em uma ampla gama de capacidades avançadas, como a proporção da população adulta com ensino superior, que cresce acima de seis vezes mais rápido em países com desenvolvimento humano muito alto, comparada aos países com baixo desenvolvimento humano. Também as assinaturas de banda larga fixa estão crescendo 15 vezes mais rápido nos países de desenvolvimento humano muito alto. O que isso significará, em termos de futuro, para as pessoas e os países não habilitados para essas transformações?

Os dados para o Brasil no RDH 2019 colocam o país na posição 79 no ranking mundial do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com um valor de 0,761, para 2018. Neste indicador, a performance nacional evidencia um leve crescimento, quando comparada ao ano de 2017 - (IDH 0,76), mas sinaliza uma tendência de melhora constante desde o início da série histórica, em 1990.

Já alguns índices apontam que desafios importantes persistem no país. Esses estão associados aos padrões de desigualdade contínuos. Assim, quando aplicado o coeficiente de desigualdade ao IDH, medida que recebe o nome de IDH Ajustado, o valor do IDH AD fica em 0,574, e a posição nacional cai 23 posições no ranking mundial. Contribuem para esse  desempenho as desigualdades nas dimensões renda (36,7%), educação (23,8%) e longevidade (10,9%).

Já o Índice de Desenvolvimento de Gênero captou desigualdade significativa nos rendimentos entre homens e mulheres, mesmo as mulheres apresentando melhor desempenho na dimensão educação - fator-chave para o desenvolvimento de funções no trabalho. Em média, a renda das mulheres é 42% menor que a renda dos homens.

Paralelamente a isso, nos painéis de informações que abordam a questão do empoderamento feminino, temos apenas 15% dos assentos preenchidos por mulheres nas funções parlamentares. Esse último dado nos deixa atrás, em comparações regionais, do Chile, da Argentina, do Uruguai e do Paraguai.

Por fim, observamos que, no painel sustentabilidade socioeconômica, um dado em especial dialoga com o RDH 2019. Medidas em porcentagem do PIB, os gastos com Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) colocam o Brasil na primeira posição no comparativo regional acima citado. Sabemos da ligação sólida entre investimentos em P&D, crescimento econômico e ganhos de produtividade. Esses investimentos, além de aumentarem a produtividade, impulsionam efeitos desejados na geração de empregos bem remunerados.

Embora saibamos que o acesso a tecnologias básicas esteja convergindo, há uma divergência crescente no uso de tecnologias avançadas essenciais para setores dinâmicos. Logo, investimentos constantes em Pesquisa & Desenvolvimento, em setores estratégicos, serão sem dúvida parte da trama do desenvolvimento no século XXI tanto para o Brasil quanto para o Brasil quanto para os demais países.

O futuro das desigualdades no desenvolvimento humano está em nossas mãos. A história tem demonstrado o alto preço que se paga pela inação. Os líderes e as sociedades ainda têm escolha, mas precisam fazê-la já.