Título: A infância para debaixo do tapete
Autor: Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 04/10/2005, Rio, p. A13
Sobre o piso de cimento, um colchonete de solteiro é dividido por dois ou até três adolescentes infratores que lotam as celas do Instituto Padre Severino, na Ilha do Governador. Separados por facções criminosas, os menores aproveitaram ontem a visita da Comissão de Direitos Humanos da Alerj e de defensores públicos para relatar casos de maus-tratos, sujeira e lentidão da Justiça. A inspeção foi motivada após denúncia de superlotação feita pelo JB. Na vistoria, o secretário estadual interino de Infância e Juventude, Evandro Steele, anunciou medidas para desafogar as cinco unidades de regime fechado da capital. Enquanto a comissão de inspeção entrava na unidade, alguns menores jogavam bola. As salas de aula foram apresentadas como motivo de orgulho pela direção do Padre Severino. No entanto, o clima entre os menores que, aparentemente, era tranqüilo, mudou com a abertura dos alojamentos. Amontoados nas grades, os adolescentes confinados não se intimidaram com a presença dos responsáveis pelo abrigo.
- Estou aqui há 50 dias e nunca fui à escola. Só tem aula uma ou duas vezes na semana para alguns meninos - denunciou C., 17 anos, que cumpre medida por tráfico de drogas.
A denúncia de que os jovens não estudam foi desmentida pelo diretor geral do Departamento de Ações Socioeducativas (Degase), Jaques Cavalcante.
- Tem aula de segunda a sexta-feira e eles já saem daqui matriculados numa escola - garantiu Cavalcante.
Segundo os adolescentes que dividiam o mesmo espaço que C., as celas estão em péssimas condições de higiene. Eles contam que, além de lacraias, até ratos circulam pelo alojamento. Os menores disseram que ficam no pátio só meia hora por dia.
- Ficamos trancados toda a tarde e só temos três refeições no dia - contou outro adolescente, que também reclamou da revista severa aos seus parentes nos dias de visita.
Nos alojamentos, apenas dois deles destinados para jovens do Terceiro Comando, os tetos e paredes estão rabiscados com inscrições do Comando Vermelho e palavras como cigarro e Deus. No banheiro, o chuveiro é de água fria. Os colchonetes estão sem as roupas de cama e os cobertores, sujos. A unidade, com capacidade para 160 adolescentes, abriga 257. Muitos jovens também denunciam que estão na unidade há mais de 45 dias, prazo previsto para transferência.
- Quando falamos um pouco mais alto, os agentes falam para abaixarmos as calças e nos batem. Também levamos tapas no peito e no rosto - denunciou outro menor.
Os protestos dos menores foram feitos sobre os olhares do diretor Jaques Cavalcanti e do secretário Steele.
Surpreso com as denúncias, Steele prometeu que vai encaminhar os relatórios sobre a unidade à governadora Rosinha Matheus. Ele disse que, após listar as deficiências da unidade, pedirá a liberação de recursos para obras. Steele anunciou ainda que vai sugerir à governadora a construção de uma unidade de regime fechado profissional, em Barra do Piraí.
- A intenção é desafogar as unidades da capital. Hoje, 30% dos menores que cumprem medidas são do interior - justifica o secretário. Durante a inspeção, um agente fez questão de falar que o trabalho nas unidades para infratores é de risco.
- São menores traficantes, assaltantes e homicidas que vivem em condições degradantes, mas trabalhamos dentro das nossas possibilidades - disse o agente.
O presidente da comissão de Direitos Humanos da Alerj, Geraldo Moreira (PSB), lamentou a divisão dos jovens por facção criminosa dentro das unidades do Degase.
- Perguntei a um deles porque estava numa cela do Comando Vermelho e ele disse que não sabia - lamentou Moreira, que após visitas em outras unidades vai pedir uma audiência pública na Alerj.
De acordo Steele, a divisão dos jovens por facções criminosas é para protegê-los de brigas.
- A questão do menor infrator não pode ser vista com paternalismo - disse Steele.
Para a defensora Simone Moreira, coordenadora da Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, falta no Degase uma estrutura de ressocialização para os adolescentes.
- A situação de hoje está melhor do que há um ano, mas ainda falta muito a ser sanado - avaliou a defensora.
Na tarde de ontem, a comissão da Alerj e os defensores também visitaram o Educandário Santos Dumont, que abriga apenas meninas. Até a última sexta-feira, 56 garotas estavam na unidade que tem 30 colchões.