O Globo, n. 31708, 30/05/2020, p.21

Sem controle da epidemia, economia não se recupera

Mario Mesquita

Ex-diretor de Política Monetária do Banco Central e economista-chefe do Itaú diz que aumento de imposto é uma "discussão que é difícil não ter"
Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, prevê queda de 4,5% do PIB, masque pode chegara 7% se o distanciamento social durar até o fim de junho. Para ele, "não é razoável esperar recuperação consistente da atividade sem ter progresso consistente contra a pandemia."

 Como a economia brasileira entrou nessa crise?

O impacto inicial foi bastante relevante. Até a Covid-19, o PIB caminhava para um crescimento entre 0,1% e 0,3% em relação ao quarto trimestre de 2019. E acabou vindo 1,5% negativo. Foi um impacto bem relevante, apesar de ter sido na última quinzena do trimestre, mas suficientemente forte par agera ressa recessão. Impacto grande sobre serviços, sobre consumo. Foi um número ruim, veio dentro do esperado, mas ilustra o impacto grande da Covid-19 sobre a economia.

 A recessão pode ser mais forte por não estarmos conseguindo conter a pandemia?

Pode sim. Nosso cenário atual é que, em geral, as medidas de distanciamento social comecem a ser relaxadas no país. Assumindo que comece a ser relaxado em meados de junho, eque haja recuperação no terceiro trimestre de metade da queda observada, vai ter uma queda do PIB de 4,5%. E se demorar ainda mais para revertera curva, e tiver que estender o distanciamento social por mais tempo, até o fim de junho, o PIB pode ser menor, 5%, 6%, 7% negativo. Piora não só pela demora a retomar as atividades, mas porque as condições financeiras das famílias e empresas vão piorando, o que diminui a velocidade de resposta uma vez que a retomada comece. Claro que não é razoável esperar uma recuperação consistente da atividade sem ter progresso consistente contra a pandemia. Tem uma incerteza grande, e se agente não conseguir conter a pandemia e for tendo que estender o distanciamento por mais tempo, a recessão vai ser mais profunda.

 Se tivermos de retomar as restrições, qual será o impacto?

Um cenário bem complicado, porque vai estendendo no tempo as incertezas. As empresas ficam com mais dificuldade de se planejar, tendem a cortar mais custos, o que pode ocasionar mais demissão. Esse cenário de abre e para é bem complicado. O que escuto as empresas cobrarem é clareza. Mesmo que a notícia seja ruim, se ela for clara, permite que a empresas e programe. Isso é melhor do que um cenário em que reina grande incerteza, e o empresário não tem como administrara situação.

 Como a instabilidade política afeta a retomada?

Instabilidade política, conflitos, isso coloca em questão dois aspectos muito importantes para a evolução da economia brasileira. Um dele sé em que medida e quando vamos recolocar a política fiscal nos trilhos. O déficit primário deve superar 10% do PIB. A razão entre nossa dívida e o PIB vai superar 90%. Tudo isso é compreensível, dada a necessidade de tentar mitigar os impactos econômicos e sociais da crise, ninguém é contra o relaxamento fiscal em 2020. Mas em 2021, 2022, será que não corremos o risco de tomar medidas no meio crise que podem ser perenizadas, que podem implicar aumentos permanentes de despesas? Se isso acontecer, vais erdifícilr ecolocara política fiscal nos trilhos e trazer, em alguns anos, a dívida de volta para baixo. Há crise política, incerteza sobre essa correção e sobre a agenda de reformas. A economia brasileira foi atingida pela Cov id -19 deforma importante no primeiro trimestre, mas ela já vinha num ritmo de crescimento inferior ao que gostaríamos. A incerteza política que temos observado só aumenta a preocupação e atrapalha o ritmo de retomada.

 Como recuperar o consumo com tanto medo do futuro?

A produção do setor automotivo praticamente parou em abril, ejá houve notícia de várias reaberturas de fábricas em maio. Então ela vai mostrar recuperação. Vários estabelecimentos comerciais foram fechados e, em alguns lugares, começam a abrir, ainda de forma limitada. Isso também vai trazer alguma recuperação, quase que estatística. Agora, para ter um crescimento sustentado, têm duas coisas jogando contra. Umaéa incerteza, eoutraéaperd ade renda derivada da piora no mercado de trabalho. Por outro lado, uma queda da taxa de juros, a partir de um nível que já era reduzido, incentiva que as pessoas consumam hoje e não deixem para consumir depois. Têm esses fatores se contrapondo. De qualquer forma, imagino recuperação gradual dessa crise. O resultado do ano vai ser muito influenciado pelo PIB do segundo trimestre.

Achamos que terá contração próxima a 10% e, com isso, queda de 4,5% no ano. Há quem veja contração mais intensa, de 15%, 16%, e aí teria retração de 6%, 7% no ano. Mas, em geral, as pessoas veem alguma recuperação do consumo a partir do terceiro trimestre, num efeito base. Só a normalização trará modesta recuperação do consumo, e, com isso, a economia começa a sair do fundo do poço.

 Quanto tempo vamos levar para nos recuperarmos?

Na segunda metade da década, vai demorar. Vemos um crescimento em 2021 de 3,5%. Tem o efeito estatístico, mas depois vai acabar convergindo de volt apar aos 2% e, com isso, vai ser difícil se recuperar rápido desse baque.

 Para acertar as contas, será preciso aumentar impostos, como a última revisão de cenário do banco apontou. É possível fazer isso agora?

Não se faz isso em momento de crise, mas quando a crise começar a ser superada. É um tema para discutir no segundo semestre, para eventualmente implementarem 2021 e 2022. Eu acho que não é agora, agora é momento de o governo jogar recursos na economia. É momento da expansão, mas não pode durar muito tempo. É justificado, mas não pode ser eterno. Têm práticas como a pejotização, atividades isentas. Por uma questão de justiça, deveria ser por aí uma revisão da taxação. É uma discussão que acho difícil não ter mais para o futuro. Agora é mais complicado.

"A incerteza política que temos observado só aumenta a preocupação e atrapalha o ritmo de retomada"

"(A recuperação será) na segunda metade da década. Vai demorar"