Valor Econômico, v.20, n. 4919, 15/01/2020. Opinião p.A10

 

Política ambiental, o que o orçamento mostra e promete


É inaceitável o governo ser contrário a uma diretriz que inclui preocupação com pobreza, saúde, educação
Por Suely Araújo e Fabio Feldmann

Foram aprovados nos últimos dias de 2019 os projetos de lei do Plano Plurianual 2020-2023 e da Lei Orçamentária de 2020. São as primeiras leis orçamentárias formuladas em um governo que marcou seu primeiro ano pela desconstrução da governança que atua nesse campo, pela tentativa de deslegitimar entidades ambientalistas e pela aceleração do desmatamento na Amazônia, entre outros problemas graves. A narrativa assumida pelos líderes governamentais foi de crítica a praticamente tudo o que vinha sendo realizado em política ambiental desde a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente de 1981. Como essa orientação política se reflete na execução orçamentária em 2019 e na legislação orçamentária recentemente aprovada?

A execução em 2019 apresentou problemas e atrasos. O Fundo Nacional sobre Mudança do Clima empenhou R$ 718 mil de um total autorizado de mais de R$ 8 milhões para fomento a estudos e projetos, sendo que não houve liquidação até 31 de dezembro. Dos mais de R$ 27 milhões inicialmente previstos na LOA 2019 para ações finalísticas próprias, o MMA empenhou R$ 8,4 milhões, a maior parte no último mês, e liquidou apenas R$ 2,3 milhões até o fechamento do ano. No tema mais enfatizado nos discursos do titular do MMA, a agenda ambiental urbana, os resultados ficam bastante aquém do imaginado. Do total de mais de R$ 8 milhões inicialmente previsto na lei orçamentária para apoio à Política Nacional de Resíduos Sólidos, em razão de contingenciamento que na prática evidencia pouca atenção governamental ao tema, foram empenhados somente R$ 1,7 milhões, valor claramente insuficiente diante da dimensão dos problemas nesse campo, e liquidados R$ 251 mil. Na ação referente à administração da unidade, por outro lado, há resultados melhores na execução orçamentária do MMA: foram empenhados mais de R$ 60 milhões e liquidados até agora R$ 43 milhões, valor que não inclui salários dos servidores e pensões. A relação atividades finalísticas/administração da unidade evidencia ineficiência no MMA. As autarquias têm historicamente números mais elevados de execução do que o ministério, mas tiveram atrasos na liquidação pelos bloqueios orçamentários que ocorreram ao longo de 2019.

Assumindo que parte das dificuldades com a execução do orçamento estão ligadas à inexperiência de um governo que iniciava, quais são as perspectivas agora? O começo foi bastante ruim com o veto do Presidente da República ao inciso VII do art. 3º da Lei do Plano Plurianual 2020-2023. O único dispositivo vetado do PPA estabelecia como diretriz a persecução das metas dos dezessete Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU. É inaceitável o governo ser contrário a uma diretriz que, além dos aspectos ligados diretamente à política ambiental, inclui preocupação com pobreza, saúde, educação e outros temas dessa envergadura. A narrativa contra o discurso do politicamente correto parece explicar essa decisão, muito mais do que qualquer argumento jurídico construído para sustentá-lo.

No PPA 2020-2023, a pouca atenção à política ambiental fica patente. Os parlamentares incluíram um novo programa relativo à prevenção e controle do desmatamento e dos incêndios nos biomas, com previsão de R$ 506 milhões nos quatro anos, mas houve remanejamento de recursos de outros programas e o total aprovado para os 4 programas finalísticos sob responsabilidade do MMA é de R$ 2,197 bilhões, R$ 24 mil a menos do que a proposta inicial do Executivo. Mantendo pouca coerência com o discurso do titular do MMA, para o programa Qualidade Ambiental Urbana estão previstos apenas R$ 18,6 milhões em quatro anos. Considerado o total de R$ 6,8 trilhões ao longo de 4 anos abrangido pelo PPA, a política ambiental ficará com somente 0,03%, número que fala por si, mostra o quanto o país está longe de priorizar esse campo de políticas públicas.

A LOA 2020 aprovada também preocupa bastante, os cortes levarão a situações críticas. Destaquemos as duas ações orçamentárias mais representativas de cada uma das autarquias vinculadas ao ministério. A LOA 2020 prevê R$ 77 milhões para a fiscalização do Ibama em todo o país, valor 25,3% menor do que o autorizado em 2019, 21,3% menor do que o empenhado e 9,5% menor do que o liquidado pela autarquia até 31 de dezembro. Com esse valor, o Ibama não terá teto suficiente para internalizar na fiscalização ambiental os cerca de R$ 47 milhões anuais do Fundo Amazônia destinados ao custeio do aluguel das caminhonetes e dos helicópteros usados na Amazônia Legal (ver http://www.fundoamazonia.gov.br/pt/projeto/Profisc-I-B/.). Não assegurar teto para recursos financeiros que entram a fundo perdido é, no mínimo, miopia administrativa. A situação parece mais complicada ainda no ICMBio. Na ação orçamentária referente a criação, gestão e implementação das Unidades de Conservação federais, há previsão de pouco mais de R$ 111 milhões para 2019, 32,7% menos do que o autorizado em 2019, 32,6% menos do que o empenhado e 18,3% menos do que o liquidado até 31 de dezembro. O programa de concessão à iniciativa privada da prestação dos serviços públicos de apoio à visitação em parques nacionais ficará longe de suprir a lacuna de recursos nesse sentido.

Os próximos anos demandarão enorme esforço da sociedade civil, dos órgãos de controle e do Parlamento no acompanhamento da política ambiental. Cabe lembrar que a Constituição Brasileira traz uma série de comandos na área ambiental em seu artigo 225. Estes são obrigatórios e limitam o campo de discricionariedade do Poder Público, seu descumprimento abre a perspectiva de questionamentos nas esferas política e judicial. Não se trata da vontade pessoal do Presidente ou dos demais integrantes de seu governo, as obrigações do Poder Público em termos de política ambiental decorrentes da Constituição têm de ser cumpridas. Isso não será concretizado com os recursos previstos no PPA 2020-2023 e na LOA 2020. A luta tem de ser direcionada para impedir a morte por inanição da Política Nacional do Meio Ambiente.