Valor Econômico, v.20, n. 4919, 15/01/2020. Legislação & Tributos p.E2

 

Internet das Coisas e tributação


Do ponto de vista da tributação é importante destacar a definição do legislador de que a IoT teria natureza de serviço de valor adicionado


Por Douglas Mota e Thiago Abiatar L. Amaral

O Decreto Federal nº 9.854/2019 instituiu o denominado Plano Nacional de Internet das Coisas (IoT), cuja finalidade, segundo seu artigo primeiro é implementar e desenvolver a IoT no Brasil, com base na livre concorrência e na livre circulação de dados e com observância das regras de segurança da informação e de proteção de dados pessoais.

Em termos práticos, pode-se dizer que a IoT viabiliza a integração e conectividade de máquinas, aparelhos, eletrodomésticos e outros objetos do cotidiano com a internet, possibilitando a transmissão de dados, monitoramento, troca de informações e uma infinidade de outras facilidades inerentes à conectividade de um dispositivo à internet.

O aludido decreto também define que se considera IoT “a infraestrutura que integra a prestação de serviços de valor adicionado com capacidades de conexão física ou virtual de coisas com dispositivos baseados em tecnologias da informação e comunicação existentes e nas suas evoluções, com interoperabilidade”.

Sob o ponto de vista da tributação é importante destacar a definição do legislador no sentido de que a IoT teria a natureza de um serviço de valor adicionado (SVA). Tal ponto se mostra bastante relevante na medida em que, em uma primeira análise, poderia se partir dessa definição para, objetivamente, concluir-se pela impossibilidade de tributação dessa atividade pelo ICMS - Comunicação.

Cabe lembrar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou há tempos a Súmula 334, para dispor que: “O ICMS não incide no serviço dos provedores de acesso à internet”. O aludido enunciado tem origem na emblemática discussão da tributação dos serviços de provimento de acesso à internet, onde se tomou como fundamento a distinção entre serviços de telecomunicação e serviços de valor adicionado, para se concluir que levando-se em conta que os provedores de acesso à internet, por dependerem de um serviço de telecomunicação que lhes dá suporte, seriam configurados como SVA, o que implicaria na não incidência do ICMS-Comunicação.

Na prática, de fato, parece-nos que o aludido racional seria aplicável às atividades envolvendo a IoT, já que tal tecnologia também se vale de um serviço de telecomunicação que lhe dá suporte, para viabilizar as interações e conectividade máquina a máquina, o que inclusive justifica a classificação do próprio legislador no sentido de sua natureza de SVA.

Consequentemente estaria afastada a incidência do ICMS-Comunicação sobre tal atividade, restando, contudo, a hipótese de eventual incidência do ISS, a depender de previsão expressa da atividade na lista da Lei Complementar nº 116/2003. O que a princípio e dentro de uma interpretação taxativa, ainda que extensiva quanto a serviços que reúnem a mesma característica, mas sob outra denominação, não nos parece ser o caso.

Por outro lado, como se sabe, nem sempre as autoridades fiscais se dão por vencidas e a despeito da aparente segurança conferida pelo legislador acerca da natureza jurídica das atividades envolvendo a IoT, acreditamos que a matéria não pode ser tida como totalmente definida em termos de tributação.

E assim acreditamos, inclusive, porque a contínua evolução tecnológica atrai para tal atividade novas funcionalidades ou avanços, fazendo com que eventual comunicação que a suporta não se restrinja à comunicação máquina a máquina, mas também envolva a análise, processamento ou monitoramento de dados e até mesmo passe a disponibilizar o serviço de comunicação entre usuário da máquina, aparelho ou bem com terceiros.

Diante dessas realidades, por exemplo, nos parece que a atividade se aproximaria mais de um serviço tributável, seja pelo ICMS-Comunicação, seja pelo ISS, o que traz para o contexto de seu exercício contornos e riscos de (mais um) potencial conflito de competência entre Estados e municípios.

Portanto, vê-se que a IoT, dentre tantas outras inovações decorrentes da chamada economia digital, é mais uma atividade cujo o exercício carece da necessária segurança jurídica em termos de tributação, fruto do arcaico sistema tributário nacional, especialmente no que toca à tributação de bens e serviços, evidenciando nesse ponto a premente necessidade de uma reforma tributária.