Valor Econômico, v. 20, n. 4898, 11/12/2019. Política, p. A10
Lava-Jato apura elo entre empresas de filho de Lula, sítio de Atibaia e Oi
André Guilherme Vieira
A Lava-Jato deflagrou sua 69ª fase ontem, denominada ‘Mapa da Mina’, e afirmou ter encontrado evidências de que parte do dinheiro usado pelos empresários Jonas Suassuna e Fernando Bittar para comprar áreas de um sítio em Atibaia (SP) pode ter origem em recursos repassados pela Oi / Telemar à Gamecorp / Gol - empresas controladas por Fábio Luís Lula Silva, filho mais velho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O petista já foi condenado em segunda instância a 17 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro envolvendo a ocultação de posse da propriedade rural.
A investigação cumpriu 47 mandados de busca e apura a origem de R$ 132 milhões em pagamentos feitos pela operadora à Gamecorp entre 2004 e 2016. A análise de dados bancários constatou a existência de créditos cujos valores “materiais e relevantes” vieram da Oi. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o grupo Oi foi responsável por 74% de todos os recebimentos da Gamecorp entre 2005 e 2016.
“As evidências indicam que o maior ativo que o grupo Oi/Telemar buscava na contratação da Gamecorp era o fato de que entre seus sócios estava o filho do então presidente da República”, afirmou o procurador da República Roberson Pozzobon, da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, em entrevista coletiva concedida ontem.
Os investigadores também encontraram indícios de ilícitos no relacionamento da Gamecorp com a Vivo / Telefonica, no projeto chamado “Nuvem de Livros”. Foi revelada movimentação de R$ 40 milhões entre a Movile Internet Móvel e a Editora Gol no período de 15 de janeiro de 2014 a 18 de janeiro de 2016.
Ex-ministro da Casa Civil no primeiro governo Lula, José Dirceu também foi alvo da nova fase da Lava-Jato. Segundo o MPF, repasses da Oi para a empresa R.T Serviços Especializados podem ter sido usados para dissimular o custeio de despesas pessoais do ex-ministro. Documentos também indicam que Dirceu “participou ativamente” como interlocutor do grupo Oi com o governo federal, de acordo com o MPF.
“Em relação ao universo de todos os tipos de créditos (efetivos e não efetivos), o volume financeiro movimentado pelo Grupo Econômico Gamecorp, durante o período examinado, foi de R$ 1,13 bilhão” conforme o laudo financeiro elaborado pela PF e que analisou operações de 2004 a 2016.
Um e-mail encontrado pelos investigadores durante as buscas realizadas na 24ª fase da Lava-Jato, a Alethea - que conduziu Lula coercitivamente a prestar depoimento em março de 2016 -, foi uma das pistas que levaram à deflagração da ‘Mapa da Mina’.
A mensagem eletrônica foi enviada em maio de 2008 pelo então diretor de publicidade da Play TV, da Gamecorp, Demetrio Amono, para Fábio Luís, Fernando Bittar e Jonas Suassuna. Nela é apresentado o resultado financeiro da empresa nos últimos 12 meses, com a informação de que “foram expurgados os números da Brasil Telecom [grupo Oi], que por ser uma verba política poderia distorcer os resultados”.
O material encontrado nas buscas também aponta que os contratos com a Gamecorp eram acompanhados pelo então presidente da Andrade Gutierrez Otávio Azevedo, que foi preso por corrupção e lavagem de dinheiro e firmou acordo de delação premiada. Na época, a Andrade era uma das controladoras da Oi, ao lado do grupo Jereissati.
A PF pediu a prisão temporária de Fábio Luís e dos empresários Bittar e Suassuna em representação apresentada à 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba em junho do ano passado.
O MPF se manifestou contrariamente às prisões em agosto deste ano. Somente em setembro a juíza substituta Gabriela Hardt analisou os pedidos e não autorizou a decretação das prisões.
Segundo a Lava-Jato, em troca de repasses da Oi, o então governo Lula teria ajudado o grupo empresarial na aquisição da Brasil Telecom, em 2008. As regras da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) não permitiam a operação, mas um decreto assinado pelo então presidente petista viabilizou a transação, conforme documentos juntados aos autos de investigação.
“A cronologia dos fatos e as decisões administrativas e políticas que foram tomadas desde o anúncio de intenção da fusão e o que acontecia ao tempo em que essas decisões eram tomadas é bastante suspeito”, afirmou o procurador Roberson Pozzobon.
Em nota, a Vivo confirmou que a PF esteve em sua sede, em São Paulo, “buscando informações a respeito de contratos específicos de prestação de serviços realizados.”
Ainda segundo o comunicado da operadora, “a empresa está fornecendo todas as informações solicitadas e continuará contribuindo com as autoridades.”
Nos autos da ‘Mapa da Mina, a PF menciona a instalação de uma antena de celular em Atibaia, nas imediações do sítio usado por Lula e seus familiares. O equipamento foi instalado após pedido feito por Kalil Bittar, irmão de Fernando Bittar, suposto laranja de Lula, ao então executivo da Oi, Marco Schroeder, em e-mail enviado em 12 de março de 2011.
“O local não tem cobertura de nenhuma operadora”, diz Kalil Bittar no e-mail disponibilizado pela Oi aos investigadores da Lava-Jato. Em 15 de fevereiro de 2016 o Valor revelou que o sítio usado por Lula contava com serviço exclusivo de antena de celular instalada a 150 metros do imóvel. Após a publicação da reportagem, o MPF descobriu que o equipamento foi implantado irregularmente, sem alvará de licença da prefeitura.
“Resta evidente o interesse da operadora em beneficiar os frequentadores do sítio ora investigado, notadamente Luiz Inácio Lula da Silva e sua família”, concluiu a PF na representação feita à Justiça.