Valor Econômico, v. 20, n. 4898, 11/12/2019. Opinião, p. A14
 

Fundo eleitoral generoso e gastos sem transparência
 

Os partidos deram passos mais ambiciosos para usar uma quantia muito maior de recursos públicos nas eleições de 2020, com baixa transparência e pífios controles. Decisões recentes da Justiça e do Congresso formam uma teia em que as máquinas partidárias sairão beneficiadas com mais dinheiro e, possivelmente, menores responsabilidades. O ato mais recente foi a ação da Câmara dos Deputados para mais que dobrar o fundo eleitoral para os pleitos do ano que vem, dos atuais R$ 1,8 bilhão para R$ 3,8 bilhões. Outro fundo, o partidário carreou R$ 928 milhões para as legendas em 2019.

Com o fim do financiamento eleitoral por empresas, os partidos tentam substituir sem perdas contribuições do passado, em dinheiro, em grande parte embaladas no caixa dois, por recursos do contribuinte. Diz muito sob o sistema partidário que os principais atores para obter mais verbas com menos incômodos provenham tanto da direita, como o PSL (e sua “nova política”), quanto da esquerda (PT, PCdoB) passando pelos arraiais do centrão e pelo liberalismo do PSDB.

Como não há amadores no jogo eleitoral, o Congresso fez previamente mudanças na regras para partidos e eleições para abreviar vários controles. O presidente Jair Bolsonaro vetou 45 dispositivos da lei aprovada pelos parlamentares, que já derrubaram sete desses vetos. A ideia inicial de alguns deputados era de sequer apresentar a prestação de gastos da forma padronizada exigida pelo TSE, mas a critério de cada partido. Não prosperou, mas houve outras “conquistas” adiante. O dinheiro do fundo eleitoral foi jogado para o Orçamento, já conhecidos o intuito e a conta (R$ 3,8 bilhões). O fundo de 2018 foi integrado com parte do dinheiro das emendas parlamentares, o de 2020 prescinde dessa contribuição.

Os partidos estenderam também os limites para o uso do dinheiro. Ele poderá ser gasto na compra de imóveis, aviões e outros bens. O Congresso decidirá ainda se derruba o veto que impede que verbas do fundo possam servir para pagamento de multas causadas por desrespeito à legislação - dinheiro público para pagar contravenções feitas por candidatos  que desrespeitaram regras que, em tese, protegem o dinheiro público.

Outro ponto a ser decidido é se cai o veto à regra de inelegibilidade. Com a Lei Ficha Limpa, os candidatos condenados em decisões colegiadas na Justiça estão impedidos de concorrer, com a impugnação ocorrendo no registro da candidatura. O Congresso aprovou dispositivo no qual o momento para impugnação seria, na prática, posterior à eleição, permitindo a disputa de fichas-sujas.

Em outra manobra eleitoral, o Senado vai aprovar a PEC 48, que permitirá que parte das emendas parlamentares individuais possam ser transferidas diretamente a Estados e municípios, sem necessidade, como é hoje, de celebração de convênio. A iniciativa conta com a chancela do PT. Os parlamentares poderão enviar dinheiro a seus currais eleitorais  sem fiscalização. A intenção era retirar a vigilância do Tribunal de Contas da União e deixá-la para os tribunais de contas estaduais e municipais, muito mais flexíveis diante dos poderes locais. O relator, senador Antonio Anastasia, viu risco legal neste subterfúgio e o trecho foi suprimido. A exigência é que 70% do dinheiro seja aplicado em  investimentos - à discrição do beneficiário - e 30% no custeio, isto é, pagamento de funcionários e gastos correntes.

Na semana passada, o STF derrubou resoluções do Tribunal Superior Eleitoral que suspendiam o registro de diretórios estaduais e municipais dos partidos que não prestassem nenhuma conta de seus gastos eleitorais. O Supremo, por maioria, entendeu que isso só pode acontecer com o “trânsito em julgado” e que o TSE não poderia criar sanções diversas das previstas em lei, abrindo outra porta para o uso liberal da verba eleitoral.

O caixa dois, por seu lado, não deixou de existir. Os itens do projeto de lei do ministro Sergio Moro, que tipificavam o crime, hoje mal e indiretamente contemplado em um artigo do Código Eleitoral, foram retirados do projeto e tramitarão individualmente - seu destino é dormir em um escaninho do Congresso. O reforço de punições por caixa dois está no limbo na Comissão de Finanças da Câmara.

Os partidos brasileiros são repartições públicas, e não, como em países de democracia vigorosa, entidades privadas custeadas por seus apoiadores e por atividades próprias. Não há a menor necessidade de ampliar filiados e debater ideias se a sobrevivência está assegurada com dinheiro público. Por isso maioria deles nada representa.