Valor Econômico, v.20, n. 4870, 31/10/2019. Brasil p.A4
Tesouro descarta redução de meta fiscal, mesmo com extras do petróleo
Secretário do Tesouro não acredita em mudança para o ano que vem, mas admite que discussão pode valer para os dois anos seguintes
Por Edna Simão e Mariana Ribeiro
Mesmo que o governo tenha receita extra com o leilão da cessão onerosa, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, não vê necessidade de reduzir a meta de resultado primário do governo central para o ano que vem, que é de um déficit de R$ 124,1 bilhões. Mas admite a discussão para 2021 e 2022.
“Quando a gente tiver mais certeza, ao longo do ano, como será o comportamento da arrecadação frente a recuperação da economia, eventualmente poderemos ser mais ousados na meta de 2021. A gente pode mudar a meta de 2021 e 2022”, disse.
Segundo ele, o momento adequado para retomar a discussão da trajetória das metas de 2021 e 2022 deve ser em abril, quando será encaminhado ao Congresso Nacional a proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021. “Precisamos observar o movimento de recuperação da economia e o seu impacto na arrecadação.”
“Não precisa [mudar a meta de 2020]. Se a gente não tivesse o teto dos gastos, eu seria totalmente favorável a mudar. Mas o teto já trava a despesa. Toda a receita adicional terá quer ser transformada em resultado primário melhor.”
Mansueto afirmou que, eventualmente, o país pode interromper o período de déficits primários em 2022, apesar de as estimativas apresentadas pela equipe econômica apontarem um resultado negativo de R$ 31,4 bilhões. Em 2020, o país registrará o sétimo ano seguido de déficit primário nas contas públicas.
Ontem, o Tesouro Nacional divulgou que o governo central registrou um déficit primário de R$ 20,372 bilhões em setembro. No acumulado de janeiro a setembro, esse resultado negativo somou R$ 72,469 bilhões. Tanto o desempenho no mês quanto o acumulado do ano são os melhores apurado desde 2015.
A expectativa é a de que os resultados do governo central e do setor público consolidado sejam melhores que a meta de déficit de R$ 139 bilhões e R$ 132 bilhões, respectivamente.
Isso é possível porque as projeções são conservadoras para o ingresso de recursos do leilão do excedente da cessão onerosa. O certame está marcado para 6 de novembro e o edital estabelece que, se houver ágio de ao menos 5% do óleo-lucro, a empresa poderá parcelar o pagamento do bônus de assinatura. Se isso se confirmar, o governo só receberá parte dos recursos em 2020.
Também influenciará o resultado primário deste ano o fato de que o orçamento que foi bloqueado para capitalização de empresas (R$ 10 bilhões) não deverá ser gasto. E, se for, será num patamar bastante baixo.
Mansueto admitiu, no entanto, que em novembro novo desbloqueio de Orçamento poderá ser feito. “Estamos chegando muito perto do teto de gastos. Parte grande do que está contingenciado é capitalização de estatal e isso não vai ocorrer. Então, necessariamente, qualquer ganho extra de arrecadação vai melhorar o primário”, afirmou. “O que tem contingenciado que não é capitalização é muito pouco, deve ser algo entre R$ 4 bilhões e R$ 5 bilhões.”
Mas o resultado primário também tem sido ajudado com a combinação de um cenário de inflação benigno, elevada capacidade ociosa, maior liquidez mundial e redução dos juros no mundo, o que tem permitido a queda das taxa Selic. Com isso, a trajetória da dívida bruta do governo geral e da dívida líquida em relação ao PIB para o período de 2019 a 2028 também mudou. Dessa forma, ficou menor o ajuste fiscal necessário para colocar o endividamento do país em tendência de queda.
Estimativas divulgadas ontem pelo Tesouro Nacional mostram que a dívida bruta geral do governo teria uma redução de 80,8% do PIB em 2019 para 73,5% em 2028. No caso da dívida líquida, sairia de 57,6% em 2019 e 61,5% do PIB em 2028.
Segundo Mansueto, a projeção da dívida considera o cumprimento do teto de gasto assim como o impacto da redução das despesas com a aprovação da reforma da Previdência. Por outro lado, não considera o resultado de possíveis privatizações assim como a possibilidade de o Banco Nacional de Desenvolvimento e Social (BNDES) fazer um pagamento adicional de R$ 30 bilhões (0,4% do PIB) ainda neste ano. “Estamos com um cenário de juros [curto e longo] impensável há três anos. Isso exige um primário menor para colocar a dívida em trajetória de queda”, ressaltou.
Mesmo com esse cenário mais benigno da dívida, o secretário reforçou a necessidade de um ajuste primário cortando as despesas de forma gradual.
A equipe econômica vai apresentar na próxima terça-feira um pacote de medidas pós-aprovação da reforma da Previdência para conter o crescimento dos gastos. A aprovação das medidas pelo Congresso deve ficar para 2020. Mas isso, segundo ele, não deve atrapalhar a retomada do crescimento econômico. “Se atrasar dois, quatro, cinco meses, não atrapalha o crescimento de curto prazo”, explicou. “Recuperação de curto prazo está mais ou menos dada.”