Título: Ódio contra Ocidente continuará
Autor: Marcelo Ambrosio e Clara Cavour
Fonte: Jornal do Brasil, 09/10/2005, Internacional, p. A8

Se formos embora do Iraque agora, tornaremos a América mais vulnerável. Se abandonarmos o Oriente Médio ao desespero e ao terrorismo, condenaremos também as futuras gerações americanas à insegurança e ao medo - declarou a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, em discurso na Universidade Princeton, Nova Jersey. A porta-voz da diplomacia dos EUA promove a idéia, refutada por Gregory Gause III, de que democracia e terror estão em pólos opostos, e que um é o antídoto para o outro. Também não aceita brechas na tese de que a resposta para o extremismo está na exportação do modelo ocidental ao mundo árabe.

A analista Vickie Langohr, do comitê editorial do Middle East Report, segue a teoria de Gause III. Para ela, a instauração da democracia no Oriente Médio, sobretudo da forma como simplificam os EUA - através de eleições - não significa uma mudança das políticas ocidentais, a que os radicais se opõem:

- O terrorismo antiocidental continuará existindo mesmo com democracias árabes. O sentimento antiamericano não vai se extinguir porque persistirá a política americana que o incentiva, explicitada pela guerra do Iraque, as bases militares na Arábia Saudita ou o apoio a Israel - avaliou ao JB. - O que move a Al Qaeda e outros grupos terroristas é a ira contra o que consideram opressão ao mundo muçulmano - completou.

Gause III destaca que o sentimento antiamericano é despertado não pela rejeição aos valores americanos, mas pela política de Washington para a região. Algo que Condoleezza - e, por conseqüência, o próprio núcleo do governo de George Bush - não admite em hipótese alguma. Em seu discurso recente, a secretária conclamou a platéia de universitários a transformar o que imagina ser a ''fonte'' dos problemas:

- Se vocês pensam, como eu e o presidente George Bush, que a causa dos atentados de 11 de setembro de 2001 foi a expressão violenta de uma ideologia extremista mundial baseada na opressão e no desespero do Oriente Médio moderno, então vocês têm de mudar o conjunto da região.

Para Alberto Abadie, cientista da Escola de Governo John F. Kennedy, da Universidade Harvard, democracia não livra nenhum país do terrorismo:

- Uma maior liberdade política ajuda a reduzir o terror a longo prazo, mas não o elimina. Os maiores alvos do terrorismo transnacional foram países ricos, que tendem a ser democráticos - afirmou, de Washington.

A derrubada de Saddam Hussein e a represália ao Afeganistão após o 11 de setembro, que culminou com eleições presidenciais no país, são os dois exemplos mais recentes que Washington tem a oferecer ao mundo da estratégia para o Oriente Médio. Mas o que se vê no curto prazo não agrada aos olhos de quem quer acreditar num futuro livre para iraquianos e afegãos. Conforme os dados citados por Gause III, oriundos do próprio governo americano, metade dos incidentes terroristas em nações ''não-livres'' em 2003 ocorreram nos dois países invadidos pelos EUA.

- Isso é normal em Estados em transição, as chamadas ''anocracias'' (nível intermediário de liberdade política). São os mais tendentes ao terrorismo. Se a democracia pode realmente reduzir o terror a longo prazo, a curto, essa ameaça aumenta - observou Abadie. - Essa relação não é simples como coloca Bush - adverte.

Já para Vickie o fortalecimento político pode ajudar a reduzir o apoio aos terroristas:

- A situação política e econômica na maioria dos países árabes é muito ruim, e, quando se trata de regimes ditatoriais, a população não tem poder para transformá-la. Pode ser que em Estados democráticos, o foco passe a ser mais voltado para questões internas - ponderou. - Uma das razões que faz muitos acreditarem que Bin Laden é herói é o fato de serem impotentes em seus próprios países. Assim, admiram aquele que, através da violência, consegue fazer uma superpotência parecer também impotente.