O Globo, n. 32684, 31/01/2023. Mundo, p. 18

Proposta de diálogo

Bruno Góes


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva condenou ontem, ao lado do chanceler alemão, Olaf Scholz, a invasão russa à Ucrânia ao mesmo tempo em que negou o envio de munições a Kiev e defendeu a criação de um grupo de países para negociar a paz no Leste Europeu. O petista disse que está na hora de “colocar a mão na massa” e afirmou que tem tratado da proposta com líderes globais e que levará a ideia da criação do grupo de trabalho ao presidente dos EUA, Joe Biden — com que se encontrará em Washington na semana que vem — e ao chinês Xi Jinping, que visitará em pequim em março.

— Sei do esforço do chanceler para evitar essa guerra. Chega uma hora que não se sabe como (vai) acabar. A minha sugestão é que se crie um grupo de países para encontrar a paz. Falei com (o presidente da França, Emmanuel) Macron, o chanceler Scholz. Vou falar com o presidente (americano Joe) Biden. Eu falei para criar um grupo, para sentar com Rússia e Ucrânia numa mesa, para selar a paz. Agente está assistindo uma guerra que nem sei por onde começar. Quero falar com (o líder chinês) Xi Jinping, porque está na hora de coloca a mão na massa— disse Lula, em entrevista ao lado do alemão.

Crítica matizada

Em tom mais duro que o habitual, Lula reconheceu que a Rússia “errou” ao violar a soberania do país vizinho. Mas logo na sequência minimizou a crítica indireta a Vladimir Putin — que, com o brasileiro, integra os Brics — dizendo que “quando um não quer, dois não brigam”. E negou o envio de munições a Kiev:

— O Brasil não tem interesse em passar as munições para a guerra entre Ucrânia e Rússia. Nosso último passivo foi a Guerra do Paraguai. Estamos precisando, sim,é de quem vai achar a paz entre Ucrânia a Rússia.

Scholz, contudo, manteve seu tom enfático:

— A Rússia deve compreender que falhou com seus objetivos. E é importante que haja um passo( dela) para haver negociações de paz — disse o chanceler alemão, ao lado de Lula.

A nota oficial do Itamaraty após o encontro explicitou a condenação da invasão ucraniana pela Rússia, em tom mais próximo ao adotado pelos alemães. “(O Presidente Lula e o Chanceler Scholz) Deploraram enfaticamente a violação da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia e a anexação de partes de seu território como violações flagrantes do direito internacional”, informa a nota.

Acordo Mercosul-UE

No início da entrevista, Scholz prestou solidariedade ao governo brasileiro e às instituições atacadas por golpistas bolsonaristas radicais em 8 de janeiro.

— Estar aqui hoje (no Palácio do Planalto) me deixa emocionado, porque as imagens da invasão do Congresso, do Supremo e deste palácio estão ainda presentes na minha memória. Estamos consternados. Ainda vemos resquícios da destruição, e gostaria de expressar a defesa da democracia. Podem contar com a solidariedade da Alemanha por esse ataque ultrajante — disse o chanceler.

Lula expressou, ainda, a intenção de trabalhar para o fechamento do acordo de comércio entre o Mercosul e a União Europeia até julho, embora tenha defendido a reabertura das negociações:

— Alguma coisa tem que ser mudada. Não pode algumas coisas que estão lá. Temos que ser flexíveis, e eles também. Uma coisa que para nós é muita clara é a questão das compras governamentais. É uma forma de fazer crescer pequenas e médias empresas com investimento do governo. Estaríamos jogando fora uma forma de desenvolver essas empresas (se fossemos impedidos) — disse Lula.

— Quero dizer que nós vamos fechar esse acordo até o fim deste semestre.

Scholz também ressaltou a importância de o acordo ser fechado.

— O acordo Mercosul e UE é de interesse das duas partes. E por isso precisamos preparar o caminho para fortalecer nossas economias — disse o alemão.

O encontro de Lula com o chanceler alemão ocorre menos de uma semana após a visita do presidente á Argentina e ao Uruguai. Em Montevidéu o petista se comprometeu a acelerar o acordo com os europeus, para tentar frear a negociação dos uruguaios com os chineses por um tratado de livre comércio.

Pacote de € 200 milhões

Na entrevista, Lula demonstrou proximidade ao chanceler alemão e fez brincadeira com o futebol:

— A única coisa que não pode acontecer é a Alemanha vir jogar bola no Brasil e ganhar da Seleção Brasileira de 7×1 — gracejou.

Mais cedo, o governo alemão anunciou um pacote de € 200 milhões em investimentos na proteção da Amazônia e no incentivo a energias renováveis no Brasil. O retorno dos investimentos estrangeiros no fundo era uma das mudanças mais aguardadas pelo novo governo. O apoio foi interrompido logo no início do governo de Jair Bolsonaro em meio às dúvidas de países europeus em relação ao interesse do então presidente na redução do desmatamento.

A ministra da Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha, Svenja Schulze, também indicou o apoio a um fundo garantidor de eficiência energética para pequenas e médias empresas, a um projeto para reflorestamento, empréstimo subsidiados a agricultores que reflorestarem suas terras e apoio a estados da Amazônia para ações para proteção florestal.