Título: Europa: Mudar para conquistar
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 09/10/2005, Internacional, p. A11
O sentimento anti-Turquia tem raízes no mal-estar da ampliação da União Européia. Pessoas que passam por um período de insegurança econômica têm medo de enfrentar mudanças. Pouco antes de começar as negociações para a adesão ao bloco, o país muçulmano foi alvo de recepções hostis de líderes políticos como Nicolas Sarkozy, da França e Angela Merkel, da Alemanha. A Áustria preferia oferecer uma ¿parceria privilegiada¿, não a adesão plena. Mas são realmente pequenas as chances de a Turquia de conseguir entrar na UE? Agora é agora, amanhã é amanhã, e muito pode mudar nesse tempo. E sabemos que o sentimento antiturco está baseado em três pontos.
O primeiro é a liderança política ¿ ¿o que dolorosamente falta na Europa hoje¿, afirma Giuliano Amato, vice-presidente da Convenção Constitucional. O presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso é hábil e inteligente e apóia a ampliação da UE. Mas não pode dirigir a comunidade sem o apoio de peso de Berlim e de Paris.
O segundo é o lento crescimento nas economias centrais da área do euro, como França, Alemanha e Itália. Se o referendo francês de maio pela Constituição tivesse ocorrido em uma economia com taxa de crescimento de 2,5 %, Amato sugere que a Carta Européia teria sido aprovada. Não foi, porque as pessoas em uma situação de insegurança econômica têm, de maneira compreensível, medo de mudanças.
O terceiro ponto: políticos veteranos alemães e franceses temem que a ampliação de 2004 tenha enfraquecido a solidariedade institucional da UE. Não querem mais ¿expansão¿ sem um ¿aprofundamento¿ posterior, ou seja, união política. A nova Constituição supostamente daria isso, mas o ¿não¿ nos referendos francês e holandês acabaram com a possibilidade.
E agora? Para dar abrir as portas da Europa aos turcos o continente precisa acabar com o mal-estar contemporâneo. Isso começa com crescimento econômico. A Agenda de Lisboa, adotada em 2000, é uma receita para uma ampla reforma estrutural da Europa. Mas os governos da França, Alemanha e Itália fizeram muito pouco, muito tarde, para salvar o mercado de trabalho, modernizar o sistema previdenciário, educacional e de saúde. Fazendo isso, haveria uma melhora nos índices de desemprego, em pouco tempo. O atraso só exacerba os problema. E, enquanto milhões de europeus estiverem desempregados ou temendo por seus empregos, vão naturalmente se sentir relutantes em dar boas-vindas a novos membros da UE e seus trabalhadores.
A Europa também precisa de uma liderança genuína. Políticos devem passar menos tempo falando em Constituição para se concentrar em problemas reais: reciclagem dos desempregados, assegurando que as qualificações profissionais sejam reconhecidas além das fronteiras. Na verdade, nenhum governo do bloco realizou um esforço sério para explicar aos eleitores porque a ampliação da UE é boa para eles. Um argumento seria o de que estender um único mercado para um continente inteiro aumentaria a prosperidade de todos.
Por último, a UE poderia adotar a ¿variabilidade geométrica¿ ¿ a idéia que nem todo Estado participa de todas as iniciativas. Isso poderia tornar a ampliação do bloco menos ameaçadora. Cada membro teria as mesmas regras para livre movimento de pessoas, capital e para política externa. Outras esferas, como a adoção do euro, justiça criminal e Defesa, seriam mais abertas.
A adesão da Turquia será negociada por uma década. Em 2015, a UE será muito diferente. Há esperança de que, até lá, o mal-estar passe. Se não, certamente serão os turcos a recusar um lugar na comunidade. (Newsweek)